Contei para vocês sobre o falecimento do meu tio Zé? Ainda não? A partida de alguém que amamos é uma notícia triste e às vezes mais íntima… Enfim, neste agosto de 2023, o caçula dos rapazes na família dos avós Morena e José Alberto nos deixou e, com ele, foi-se junto a razão. Afirmo isso porque conheci poucas pessoas no mundo com mais certeza de estar com ela, a tal razão, do que o Zezinho Penz. Mal (bem?) de família. Posso explicar esse legado relembrando uma passagem nossa e, com ela, tecer a pequena homenagem.
Onde estávamos neste dia? Não sei ao certo, mas o palpite com maior chance de ser preciso é, claro, na Praia do Barco. À época eu devia ter bem menos de trinta anos. Nas contas de nossa diferença de idade, tio Zé ainda estava na casa dos quarenta. E na roda de conversa deveria ter mais umas duas ou três pessoas. Homens adultos, como eu já era – apesar de que, sobrinho, estava ali mais como ouvinte atento e aprendiz de feiticeiro do que como debatedor. Falavam sobre as difíceis relações de família.
Em dado momento, tio Zé disse não suportar algo do tio Ivo. (Explicação necessária: o tio Ivo era o irmão caçula do meu avô; logo, tio Ivo está para o tio Zé como tio Zé está para mim.) Sua queixa: ser impossível dialogar com ele pois sempre – sempre, sempre! – se julgava o dono da razão. Por alguma arapuca do destino, fez-se uma pausa nas vozes, como se todos digerissem a afirmação peremptória. Sem que ninguém esperasse, pois até então eu era apenas paisagem na roda, lhe disse:
– Quando todos sabem que o senhor é quem tem a razão, né tio?
– Exatamente! – ele respondeu de modo expansivo e sem pensar. Seu olhar, porém, ficou preso em mim com o mesmo espanto do rei quando, na fábula, tomou o xeque mate do pastor.
Recordo de eu ter na expressão um meio sorriso ao deixar o grupo no momento seguinte. Mantendo a metáfora, recolhi minhas peças para seguir em busca de mover meus singelos peões em outro tabuleiro qualquer. Ninguém no grupo se deu conta do que acontecera. Eu mesmo considerei apenas um bom insight, nada mais. Passaram-se alguns dias e ele me procurou. Disse ter levado minha insolência para a sessão seguinte com o analista.
Busquei esta passagem para homenagear o tio e pensar sobre isso – de tanto nos incomodar no outro algo que nos assemelha, e não o que nos diferencia. Perto dele (e do Ivo, suponho, pois tive pouco contato) sou um Penz degenerado: os quatro irmãos, sendo meu pai o mais velho, compraram as mais diversas brigas do mundo por se considerarem senhores da razão. Dentre eles, Zezinho com muito destaque. Agora, todos juntos lá no céu, serão responsáveis por muitas trovoadas.
Tio querido, uma pergunta: serei eu vaso da mesma argila, apenas com um falar mais mansinho?
Desde já com saudade, beijos.
Podes não falar. Mas escreves ousadamente! Ih! Já falei.
Jorge, escrever, hoje, já anda uma ousadia!
Valeu, abraços
Que linda homenagem. Sobrinho de peixe, peixinho é? Que seja! Tão bom nos reconhecermos pelo afeto.
Patrícia! Muito obrigado… Ah, espero ter atenuado um pouco a combatividade. Sou muito miúdo para sair comprando brigas! Beijos!
Rubem, teu texto é instrumento terapêutico! Docemente sagaz! Genial, como sempre!
Ohhhhhhhh, que gentil! Comentário da irmã (no grupo da família): “Lembro disso e da cara que ficou o tio!”. Obrigado, Adriana!
Quem conviveu sabe de como era polêmico também o Tio Zézinho. Como bem falastes,está no sangue.
Sim, tio Calica. Eu que sei, pois corre nas veias! 🙂