Personagens nascem de seus autores. Quando em livros, são completados pela imaginação dos leitores e podem causar até estranhamento quando ganham a vida nas telas ou nos palcos. Porém, nos roteiros originais de filmes e séries, a escolha de elenco acrescenta um terceiro “criador”: atrizes e atores escalados. Quanto mais combinam, tanto mais convencem. Quem gosta da sétima arte identifica quando atores e personagens estão além ou aquém um para o outro.
A composição de Matthew Perry para Chandler Muriel Bing é um dos casos em que não imagino um sem o outro. Talvez por isso ele seja um dos destaques de Friends sem cogitar protagonismo – sua personalidade é quase como se fosse a linha que une os outros cinco pedaços da turma. Um super poder discreto, ainda que marcante. Alguém que parece não precisar dos outros pois está sempre “a servir”, quando é o exato oposto – sozinho não encontra o menor sentido em viver.
Uma das características do Chandler sempre me causou identificação: usa do humor e abusa dos trocadilhos para obter aprovação. Vanessa sempre aponta minha eterna carência de ser gostado e meu temor mortal em desagradar. Isso pode ter uma face bacana e ajudar a fazer amigos, mas demanda uma energia nem sempre produtiva ou justificada. Fazer o quê? É mais forte do que a simples vontade de mudar. E, se elencasse minha série de problemas, esse talvez fosse o mais simpático.
Corro riscos porque a nossa vida não nasce de um roteiro. Sei que autores, às vezes, torturam seus personagens com situações muito delicadas. Ainda assim, em casos como o de Chandler, a queridisse sempre é porta de saída ou salvação – ainda mais em uma sitcom. Diferentemente de Jesse, interpretado pelo excelente Aaron Paul em Breaking bad, que sofre quase sem respiros de paz. Ser meio parecido em determinados traços com um friend é um fardo bastante leve.
Fora dos roteiros, Matthew Parry encontrou dificuldades quase incompreensíveis para alguém de tanto talento e brilho. Outra vez descobrimos que fama, dinheiro e sucesso jamais serão capazes de curar algumas feridas. Ser Chandler nem o salvou nem o condenou a uma existência atribulada e breve. Criador e criatura, porém, trataram de estender a passagem por este plano para muito além das dez temporadas ou dos 54 anos de idade. Para sempre, ao menos em nossos corações.
RIP