Raramente percebemos o quanto permanecemos longe do chão e por quanto tempo isso acontece. A posição ereta que nós, mamíferos bípedes, adotamos impõe o distanciamento. O piso lá nos pés e a cabeça nos píncaros do pescoço. Algumas vezes nos ajoelhamos, outras nos sentamos ou, para quem é flexível, nos acocoramos. Porém, nem mesmo essas posições mais rebaixadas levam a altura da vista para o solo. Até vir um nenê…
Adultos jovens quando têm filhos encaram o reencontro com o chão de forma tranquila. Pensando bem, nem faz tanto tempo assim a época dos luaus, dos acampamentos, das rodas de chimarrão nos parques e praças, do namoro na relva ao sol ou ao luar, dos longos intervalos no campus universitário entre duas cadeiras nem tão bem encaixadas na agenda levando ao lagartear de inverno, das esteiras das academias e das bordas das piscinas. Às vezes as crianças chegam ao mesmo tempo em que tudo isso, e coisas mais, estão compondo a rotina.
Excetuando-se os bem esportistas e mais bicho-grilos, o crescimento dos filhos e o encontro com a maturidade coincidem com um gradual afastamento de nossa cabeça do solo. Não chega a ser um divórcio, apenas um esfriamento das relações. Objetos continuam a cair e rolar, faceiros, para baixo de camas, mesas e sofás – e lá vamos nós a rastejar atrás dos travessos. Como isso exige uma certa dose de sacrifício, tornamo-nos cuidadosos. É quando descobrimos, também, que deitar no chão precede outro movimento necessário: erguer-se. Hummm… Já não é tão fácil fazê-lo como outrora.
Eis-me agora, sob o reinado de Agatha, atirado ao chão outra vez. E, como nunca havia pensado antes, feliz com cada quilo que não ganhei pela sorte de ter nascido magro-de-ruim – a categoria de pessoas que nunca fez nada para permanecer leve e por isso é odiada por cidadãos ilustres como, por exemplo, Luis Fernando Verissimo. Nem aos esquálidos maduros o deita-senta-levanta é tranquilo: na terceira ou quarta vez seguida, ossos e músculos dão sinais nada amistosos de existência. E pensamos: por que não fiz yoga? Aqui um arrependimento a mais para anexar à música “Epitáfio” dos Titãs…
Mas nem tudo são queixas. Atirar-me aos pés do mundo trouxe consigo uma reacomodação dos valores morais. Uma lição de humildade aqui, outra de jovialidade acolá e os ciclos se renovam. Entre meus pares, há quem tenha redescoberto o chão com a chegada dos netos, mas não é a mesma coisa: visitam, não habitam a baixeza. Netos vêm e vão, filhos permanecem. Assim como permanece o instinto de cuidado e proteção. O encantamento, a rendição.
Minha experiência antecipa o próximo passo: os primeiros passos. Idade em que a coluna dos pequenos se verticaliza e a dos pais se curva. Ainda é tempo de pensar em alongamentos…
*Aventuras & Desventuras de um pai bem passado
Muito Bom. O Chão sempre nos chama à humildade e reflexchão (Ba-dum-tsss!)
Hahahahahahahahaha!
Que o humor não nos abandone jamais, Kauer!
Tudo vale a pena, tudo têm seus aprendizados.
Mas compre algum relaxante muscular. Kkkk
Grande abraço.
Boa ideia, Gerson! Boa ideia!
E os comentaristas da crônica, por enquanto, 100% são Gersons (Kauer e Jungblut)!
Que tema interessante. Aliás, vou pensar melhor no assunto. Texto leve e certeiro. Muito bom. Abs, Rubem
Obrigado, Venâncio! Abração
Excelente Rubem! Sou daquelas sortudas que, depois de 15 dias fazendo fileira de carrinhos e sobe desce em busca dos que se projetaram fora da linha posso descansar as costas numa espreguiçadeira…. e olha que sempre fiz Yoga!
Ah, que valor tem uma espreguiçadeira, Ana!!! Muito obrigado, beijos!
Genial e verdadeiro este texto. Como Gerson acrescentaria o cuidado com a velocidade na descida para evitar as dores na subida! Um abraço saudoso!!!
Muito bom seu conselho, Gerson!!! A coluna (do corpo, não de crônicas) agradece! Abração