“Quem não gosta de samba, bom sujeito não é”
Dorival Caymmi
No guichê da repartição, na hora de preencher o cadastro, para a pergunta “Quem é a mãe da oficina literária Santa Sede?”, meus leitores saberiam a resposta: a crônica. Nem precisa de certidão de nascimento, basta olhar, pois ela tem a cara da mãe, seu jeito, personalidade, porte, meandros. Uma oficina que nasceu da crônica, dela se alimentou e herdou tudo o que tem de melhor (vá lá, também seus defeitos e limitações, não custa admitir). Todavia, nominar o pai da Santa Sede pode ser desafiador, ainda que agora tenha se tornado mais fácil. Refiro-me, claro, ao samba.
Comecemos por seu sobrenome: crônicas de “botequim”. Ao transpor à prosa a oralidade, o lirismo, o humor e a malemolência típicas da música brasileira, em particular do samba (aos puritanos, um desavergonhado), a oficina começa a dar pistas de sua fecundação. Em Conversa de botequim, o mestre Noel Rosa assume ser o bar o escritório do malandro. Bom, é a mesma mesa em que, na Santa Sede, acontecem os encontros tornando-se, por consequência, nossa sala de aula. Tal qual o pai, a oficina investe na criação coletiva, na afetuosidade, no gingado, na brasilidade raiz e no orgulho de escrever um gênero mestiço.
Como toda oficina reflete seu idealizador, é preciso voltar pelo menos cinquenta anos para encontrar a ponta do fio desta meada: muitíssimo antes de ser cronista, compreendi a vida e vivenciei a arte pelo samba, meu gênero formador dentro da música. Mas a vida não era só agogôs e tamborins – desde menino estive atento a letristas como Aldir Blanc, Paulo César Pinheiro, Martinho da Vila, Paulinho da Viola, Cartola, Noel… Também foram sambas minhas primeiras composições, assim como a mais recente – o tal Samba da sede. Enfim, a história de hoje.
Desde o nascimento, não pensem que a crônica embalou as noites sozinha: a música faz parte de todas as coletâneas da Santa Sede. Cada um dos (até hoje) 153 capítulos de nossas Safras tem uma epígrafe musical, temas que compõem dezessete playlists no Spotify. Mais: as músicas parodiadas, citadas nos textos e chamadas à memória, completam as listas. Portanto, até demorou para nascer um samba exclusivo, com uma letra que dissesse quem é e como é a oficina. Mais uma particularidade do projeto minuciosamente planejado para ser diferente de seus pares.
Deu curiosidade? Desde o dia 14 nas melhores plataformas e aqui [https://open.spotify.com/] você já pode escutá-lo. O samba também está em todas as nossas playlists (Safras), as quais recomendo muito, pois foram compostas democraticamente por nossos cronistas ao longo dos últimos catorze anos. Elas evidenciam a criatividade e o ecletismo só possível num ambiente que acolhe “o mais pop e o mais culto; moça, rapaz, bem maduro e o mais novim”. Cada estrofe conta um pedacinho de nossa história, inclusive com uma charada: o que seria a tal ponte “Guaíba – Itapemirim”? Na largada, aquilo que mais prezo: ter um lugar à mesa reservado para todos os que desejam encontrar sua turma. Nossa turma.
Ficha técnica:
Autores: Dudu Penz (melodia) e Rubem Penz (letra)
Voz: Dudu Sperb
Violão e voz incidental: Maurício Marques
Percussão: Rubem Penz
Gravado em set/out de 2023 no Maurício Marques Estúdio
*Crônica originalmente publicada na Revista Rubem
Para quem quiser acompanhar a audição com a letra:
Samba da sede (Dudu Penz & Rubem Penz)
Vem encontrar sua turma
Numa cadeira que foi reservada por mim
Santa Sede, crônicas de botequim
Têm o mais pop e o mais culto
Moça, rapaz, bem maduro e o mais novim
Santa Sede, crônicas de botequim
Você terá só a sua Safra
Na Master isso não é bem assim
Santa Sede, crônicas de botequim
A trilogia que abriu a série
Trouxe na capa um astral de arlequim
Santa Sede, crônicas de botequim
Epígrafes com Caetano
Gil, Belchior, tem Cazuza e tem Tom Jobim
Santa Sede, crônicas de botequim
Garçom tem prioridade
Basta que espere a leitura chegar ao seu fim
Santa Sede, crônicas de botequim
Vinho é pedida, cerveja sempre
Batata frita ou amendoim
Santa Sede, crônicas de botequim
E só de Rubem, nós temos os dois
Ponte Guaíba – Itapemirim
Santa Sede, crônicas de botequim [bis]
Que maravilha!
Um delicioso legado musico-lierario
Adorei, eita sambinha bom!
Obrigado, Ana Beatriz! Minha gratidão aos queridos Dudu Penz (melodia), Maurício Marques (violão e estúdio) e Dudu Sperb (voz)