Lembrava do Velho Marley esses dias. Não conhece? Conhece, sim, basta que eu evoque a referência: personagem interpretado por Roberts Blossom, ele é o vizinho assustador de Kevin McCallister em Esqueceram de mim (1990), clássico do cinema natalino estrelado por Macaulay Culkin. Como desde que chegou aos cinemas se passaram quase 35 anos, mais suas várias reprises dezembrinas, diminui o medo de spoiler – ao contrário do que parece no início do filme, Marley não era mau, brabo ou perverso: ele era apenas triste e solitário. Na trama, a relação com Kevin lhe servirá para uma aproximação – reconciliação? – com a família e, assim, voltar ao convívio com os netos.
Vovô e netinhos é um tema sempre sensível para mim. Fui uma criança a pegar avós emprestados porque os pais dos meus pais morreram cedo, antes de eu nascer. Meus primos por parte de mãe tinham ao menos um e, por parte de pai, também. Daí chamava a todos de vô. Também foram um pouco meus alguns avós de amigos próximos, compensando a falta do elo forte com uma dezena de elos mais delgados – e o resultado foi alentador. Para a infelicidade dos meus filhos, meu pai partiu cedo – conheceu apenas três dos cinco netos – e meus sogros também tiveram muita, muita pressa. E a sina persiste.
Para Agatha, o fato de eu ser um pai bem passado traz ao menos um alento: ela não precisará tanto de empréstimos quanto eu precisei. Afinal, serei capaz de evocar histórias tão pretéritas quanto qualquer avô dos amiguinhos de escola. Digamos que eu seja um dois-em-um. Vou me puxar para falar de outro tempo em passagens com seus irmãos grandes. Com sorte, a ponto de constrangê-los. Ainda assim, seria divertidíssimo ver seu João Carlos contando histórias da infância da Vanessa com detalhes que ela omitiria, bem como seu Rubinho contando da minha. Resta invocar a memória das avós com um efeito aproximado (mulheres e homens guardam coisas diferentes na memória).
Já posso pensar numa futura conversa com a caçula daqui poucos anos: nós três no sofá comendo pipoca e curtindo Esqueceram de mim pelo streaming ou na milionésima reprise. Emocionado, direi que vi no cinema Baltimore o lindo encontro do Velho Marley com seus netos. Ela perguntará se fui com o Ivan e com a Clara, e direi que eles ainda não eram nascidos… Desejará saber se eu fui com a Vanessa, e direi que não, na época ela tinha só onze ou doze anos… Então perguntará se fui com meus pais, e direi que já era grande, até casado em 1990… E se ela chegar a perguntar “com quem”, volto ao Velho Marley, ao Kevin, ao Natal ou mudarei depressa para outro filme. Ter tanto passado pode ser tão assustador quanto um vizinho solitário.
*Aventuras & Desventuras de um pai bem passado
Mais uma crônica tocante. A Agatha é uma filha/neta de muita sorte por dispor de tão farto repertório.
Obrigado, querida Zeni!
Sorte temos nós pela oportunidade de ter uma filha amada!
Beijos
Linda crônica. Parabéns!
Muito obrigado, Zuleica!