Dezessete anos atrás escrevi a crônica “Votos nupciais” lançando a ideia de que família e democracia deveriam ser conceitos casados – algo que acabou meio mal, contaminado que foi pelo jeito de se fazer política no Brasil. Em 2014, reeditei a saga da casa parlamentar da família de Mariluz e Arnaldo na Revista Rubem e, dois anos depois, criei um segundo texto mais ligado às eleições. Nele, questionava quais seriam os limites de tolerância para as promessas de altar não atendidas. Acordei hoje pensando: nestes tais casamentos democráticos, ainda existiriam DRs? Ou elas seriam substituídas por CPIs com efeito semelhante? Digo semelhante por, em ambos os casos, tudo rumar para o pedido de pizza.
– Ô, Mariluz… – reclama Arnaldo depois de a TV ter sido desligada. – Precisamos mesmo falar disso justo agora?
– Azar o seu, querido. Agora estamos com quorum e não vou mais postergar a CPI da vizinha do 612. Investigamos se o súbito interesse do senhor em passear o cachorro nos últimos tempos tem relação com tal fulana. Alicinha, por favor, diz pra nós a quanto tempo o pai deixou de pedir pra levar Blaublau pra fazer xixi e por quê?
– Sério, mãe? – e a nova adolescente da casa suspira. – Sei lá… Tem uns dois meses. Adorei.
Mariluz anota a informação e complementa com o fato de o 612 ter sido ocupado por uma divorciada em janeiro último, dois meses e meio atrás. E frisa a coincidência. Voltando-se para o marido, pergunta qual seria a finalidade dos encontros frequentes no cachorródromo do condomínio?
– Olha, o que era só curiosidade virou simpatia e, sabe como é, evoluiu pra outros interesses. Mas meramente sexuais, benzinho. Aliás, preciso revelar um segredo que seria impossível esconder por muito tempo: nossa família vai aumentar.
– Mazá, velho! – admira-se Júnior, enquanto Alicinha acode Mariluz em choque. – Teremos um novo maninho ou maninha? Pensei que já tinha pendurado as chuteiras! Que safadinho!
– Olha o respeito, moleque! Ganharei netos, ouviu?
– O Júnior tá pegando a vizinha!? – diz Alice, perdendo todo o interesse pela mãe. – Ela é uma velha: deve ter uns 38 ou quarenta, maninho!
– Ih, sai pra lá! É o pai quem tá andando com ela pra cima e pra baixo. Nada a ver!
– Arnaldo! – Mariluz acorda do transe. – Como você tem coragem de confessar essa sem-vergonhice como se fosse, como se fosse, como se fosse…
– A culpa não foi minha. É coisa de cio, benzinho.
– É isso: como se fosse um cachorro!
Nessas, entra o Blaublau na sala abanado do rabo. Ainda escutará gritos acusatórios antes de a verdade vir à tona: era nele o interesse da vizinha do 612, um bom par para tirar cria com Monalisa. Arnaldo achou inadequado para a idade de Alice tratar destes assuntos. Propõe pedirem uma pizza para dar fim à CPI. E assim seria se um novo e ruidoso inquérito não estivesse por começar: indignada, Alice perguntou os porquês da suposta – e machista – proteção, se ela nem era mais virgem…
* Leia também:
https://rubempenz.net/2007/05/18/votos-nupciais-numero-215/
https://rubempenz.net/2016/03/02/votos-nupciais-2-a-eleicao/