Ode ao botequim

Ah, mas isso é filosofia de botequim… Quantas vezes você já ouviu essa expressão depreciativa? Troca-se o termo “filosofia” pelo que bem aprouver, como teoria, economia, pedagogia, direito, sociologia, literatura, ciência, gastronomia, psicanálise etc. para, com isso, abarcar todas as áreas do conhecimento dito superior impondo sua relevância ao comentado “no botequim”. Então, já escutou? Eu, milhões de vezes. Talvez por isso tenha escolhido trabalhar no bar: deve ser muito boa a conversa que todos, sem distinção, desejam desqualificar para, enfim, impor sua elevação. Peça um chope para que possamos, a seguir, sorver o tema aos goles.

O que vai num pão? Majoritariamente farinha. O que vai numa roupa? Majoritariamente tecido. O que vai no concreto? Majoritariamente cimento. O que vai na criatividade? Liberdade, majoritariamente. E aí começa o encanto de uma conversa de botequim. Quando estamos em instâncias oficiais é difícil, diria impossível, exercer a liberdade em boa medida. Isso não é uma crítica, é uma constatação. Precisa ser assim, admito. Bem por isso chegam à nossa mesa diversos profissionais em busca de relaxamento. Não é que desejam falar besteiras – buscam um espaço de julgamento brando para que, se elas acontecerem, que venham com o objetivo de arriscar-se fora dos exaustivos padrões.

Outra forma de explicar o mesmo fenômeno é a regra primeira de uma reunião aos moldes “tempestade de ideias”, ou brainstorm, para ficar mais chique: nunca ridicularize ou reclame de uma ideia nascida durante o processo, por mais estapafúrdia que pareça (ou mesmo seja). Eis a chave para que seus próprios pensamentos se livrem da censura prévia, o mais poderoso ceifador de criatividade jamais suplantado. Logo, a necessária zona de armistício presente na mesa de bar é interna, não externa. Saber que teremos nossas palavras julgadas causa pressão e, claro, repressão. Como estar à mesa com amigos é por natureza um ambiente leve, temos mais chance de ser criativos.

O terceiro ponto é tão importante quanto os outros. Até mais: o amor. Todos queremos, ou deveríamos desejar, laços afetivos. Eles rejuvenescem, aprimoram, embelezam a gente. É atribuída ao Antônio Maria, cronista e botequeiro de alta estirpe, a teoria de que, caso você tenha um inimigo, sentar-se com ele numa mesa de bar deve estar fora de questão. Caso contrário, haverá enorme chance de convergência e você perderá o inimigo. Só entre amigos temos a coragem de nos despir das pesadas aparências. Entre eles, também, nos permitimos brincar. Ser criativo é deixar nossa criança interna se expor sem medo. O afeto é construído de confiança, majoritariamente (quinta vez, também estou contando).

Ah, mas isso é uma crônica de botequim… Eu sei, eu sei. Por favor, não a leve a sério. Faz outra coisa: permita-se, divirta-se, apaixone-se. Se for conosco, tanto melhor – busco todos os dias ofertar e receber a grandeza das coisas miúdas que vêm acompanhadas de sorrisos. Muitos sorrisos.

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