Papo eletrodoméstico

Alexa, Siri, Cortana… Hoje, o que não falta são assistentes pessoais inteligentes promovendo o diálogo entre pessoas e máquinas. Nos deslocamentos, também é barbada colocar um programa falante. Outra facilidade: sem tempo para ler, audiolivros nos socorrem com razoável competência. A má notícia é que está cada vez mais difícil conversar com um humano ao ligarmos para empresas: vozes digitais tentam resolver as coisas e testam nossa paciência.

O que pouca gente sabe é que, na casa dos meus pais, dois eletrodomésticos anteciparam a tendência em muitos, muitíssimos anos. E, ao contrário do que se possa imaginar, não foi porque eram novos: aconteceu por antiguidade. Alguma coisa como serem parceiros do lar por tanto tempo que até aprenderam a falar. Explicarei a seguir com uma ressalva: pioneiros, o vocabulário não era muito extenso.

O primeiro caso foi o da máquina de lavar. Com, talvez, duas dezenas de anos e bons serviços prestados a uma família de pai, mãe e quatro filhos, demonstrou uma comovente resistência perante a aposentadoria compulsória. Ainda sarandeava com razoável competência nos ciclos de agito e molho, mas a centrifugação cobrava uma agilidade perdida no tempo. Foi por isso que aprendeu a falar: com medo de ser descartada, teve a humildade de solicitar auxílio.  Era só chegar o momento de centrifugar para ouvirmos claramente:

– Me ajuda, me ajuda, me ajuda, me ajuda, me-ajuda, me-ajuda, me-ajuda, me-ajuda, meajuda-meajuda-meajuda-meajuda… – e daí seguia. Ganhou alguns anos com a estratégia.

O outro eletrodoméstico a aprender a falar foi o refrigerador. Era nossa segunda geladeira – a primeira com freezer e a única até aquele instante depois da velha Frigidaire. Teve muita paciência durante a segunda metade de nossa infância, a passagem de todos na adolescência e ainda reinava na cozinha quando eu já deixava a casa. Nos últimos anos, porém, não só fazia muito gelo como tornara-se ranzinza. A mistura de muito apetite da juventude e a natural indecisão do período deu a ela a faculdade de, a cada abertura, nos indagar:

– Quiééé? – com notável saco cheio.

Bom, precisamos pensar que a Cortana, a Siri e a Alexa ainda são jovens. Como será que ficarão quando envelhecerem? Hummm… Parece que este é um bom tema. Ficará para outra crônica.

10 comentários em “Papo eletrodoméstico”

  1. Esse é o problema dos recursos cuja função principal é trabalhar em entreter: é impossível estabelecer uma conversa séria com eles e mesmo assim, se consideram indispensáveis. ‘Vivem’ repetindo , repetindo como caducos que falam sozinhos, que se pudessem, daquele texto ali, por exemplo, cortariam o penúltimo parágrafo inteiro ou no mínimo duas vírgulas. E na vida daquelas pessoas ali, com mínimos recursos e vasta experiência, dariam um jeito. Seria tudo muito simples e enxuto. Mas e daí?

    1. Questão complicada, Auri. Quem sabe minha amiga Zulmara tenha resolvido num comentário fora daqui: “Meu assistente é Echo, afinal, eu precisava de um homem para (nele) mandar.”

  2. Parabéns Ruben. Os eletrodomésticos hoje, embora falem conosco, não se comunicam como os antigos objetos que nós serviam no passado. Os de hoje vendem todos os tipos de coisas, já os mais velhos, sábios, nos contavam histórias.

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