O amor em verso e reverso

Há dois tipos de profissionais na imprensa: os que se satisfazem com nossos releases – por isso precisamos caprichar muito no conteúdo – e os melhores, cujo apetite transcende o básico. Fora do script, Adriana Lampert do Jornal do Comércio, depois de um longo bate-papo, perguntou quais eram, em síntese, os temas que inspiraram as letras do álbum Reverso, de Antonio Xavier e meu. Dito assim, de bate-pronto, não pude mais fingir que não era comigo. Em síntese, em síntese… Em síntese, precisei confessar, são temas de amor.

Samba curto parte da brevidade que inspirou seu nome na versão instrumental para dialogar com o verbo ‘curtir’, gíria de aproveitar ao máximo algo ou algum momento. Ou seja, amamos o samba-jazz desde os tempos do Zimbo Trio (cujo baterista, vejam só, era o Rubinho). Afinal, segundo tema, é melancólico: em primeira pessoa, o eu lírico não compreende que alguém solar possa deixar de ser amado. Até, ‘afinal’, perceber-se em autoengano – não, não é ‘todo esse sol’ que pensa ser. E amores, mesmo os brilhantes, morrem.

Reverso, que empresta nome ao disco, fala de amor do começo ao fim. Um amor malemolente, suingado, algo entre o samba e a bossa nova, com a limpidez da voz de Gisele De Santi dialogando com o flutuante solo de trombone. Bailarina reproduz o amor infinito que temos para com nossos filhos. Uma valsa em que a menina ‘tira pra dançar’ todo o universo que a cerca, nos pede para esquecermos a razão e, por fim, rouba indisfarçadamente nosso coração.

Despedida trabalha as fases do luto no necessário fim de uma relação, antes que os elos ‘não abram mais’. O contraste entre o morar junto e o morar só questiona até o aparentemente inquestionável valor da liberdade. Para Voz de prisão, o tema é o desejo de livrar-se (vingar-se?) de um amor dominante, onipresente e de caráter obsessivo. Ganhou força com a voz feminina de Denise Tonon pois, em geral, são mulheres as vítimas constantes dos abusos de controle.

Pertinho de mim trata dos encontros de vida inteira, aqueles para os quais ‘partimos sem piscar’ como um trem que leva o par de roldão. O importante será andarem juntos, sem perder-se um do outro. Por isso bati pé: tema para interpretar em duo – e Cris Bizarro dialogou com o próprio Antonio, cantando pela primeira vez. Desurbano conta sobre a nostalgia de um tempo/espaço analógico e puro. O amor romântico a exaltar o passado em contraste com o futurístico ambiente digital.

Para Aqui e agora foi reservado o lugar do amor dos amigos. Os contrastes evidenciam a importância do amparo mútuo em momentos difíceis ou desafiadores. Por fim, enquanto o quinto tema já adiantava no título seu caráter de rompimento, Paramar tem laços amorosos desde o nome. E as metáforas de mar e navegação expõem a felicidade de estar em trocas harmônicas. Dá até para dançar com a latinidade do refrão.

Adriana, depois de eu ter despejado tanto amor, ficou curiosa para escutar o álbum (pois é, ainda não havia colocado para rodar). Caso tenha acontecido o mesmo com você, passa lá no hotsite do projeto (https://rubempenz.net/cdreverso/) para degustar ou baixa nas plataformas de streaming. Se você, como em Desurbano, gosta de objetos palpáveis, compre o CD e receberá amavelmente autografado.

 

*Originalmente publicada na Revista RUBEM

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