O quinto pé da cadeira

Quando um candidato à prefeitura de São Paulo acerta o outro com uma cadeirada digna de filmes de velho oeste (ainda que em filmes as cadeiras sejam cenográficas e feitas para se partirem sem causar contusões) e o tema ganha aplausos nas redes, há quatro questões a serem levadas em conta:

  1. Há quem tenha gostado – o mesmo tipo de pessoa que esteve ao lado do valentão quando ele batia no boboca da turma durante a infância ou adolescência e, hoje, se esforça em esquecer o quanto era partícipe em casos de bullying ao justificar a violência (ele pedia…);
  2. Há quem não tenha gostado – e reprovou apenas porque a cadeirada deveria ser dada em outro candidato, e não naquele, pois apoia a vítima e, lá no fundo, também apoia o uso de violência (outros mereciam);
  3. Há quem compreenda que os dois anteriores se irmanam na aceitação dos valores da sociedade em caráter relativo. Tipo ser contra a violência, mas alguns merecem apanhar (esquecendo de que ser seletivo é aceitar a seletividade do outro sem poder reclamar);
  4. Há, por fim, quem denuncie a violência como princípio e não tema o julgamento dos que imaginam ser isso um libelo em defesa de A, B ou C. Pessoas que olham os fatos: temos um agressor e uma vítima, e a culpa jamais pode ser da vítima.

Antes de ganhar seu desprezo por ser o analista chato que corta o barato típico das salas de aula da quinta série, desejo olhar para a deplorável cena com uma quinta visão, absolutamente hipotética e igualmente inoportuna: e se tudo fosse jogo de cena? Se, lá no fundo, agressor e agredido estão propondo um espetáculo capaz de tornar vítima alguém vocacionado ao ataque? Vá saber, vá saber… Só pensei alto. A tal cadeira pode acomodar uma centopeia de versões, leituras, conjecturas ou delírios.

Lembrando Millôr, livre pensar é só pensar. E, na mesma medida em que sou contra a violência por princípio, por princípio sou a favor do pensamento e sua expressão permanecerem livres. Livres mesmo, e não só quando, ou porque, ganhará aplausos.

8 comentários em “O quinto pé da cadeira”

  1. Mariangela Franco

    Pareceu-me uma luta de Telecatch, na antiga tevê Gaúcha. El Duende contra Fantomas. E a plateia delirava, embora ciente de que era tudo ensaiado.

  2. Ah, esse tipo de política, e de análise, é muito legal mesmo. Mas…
    “- Tenho uma lição de casa para você: vá para casa e se masturbe. Divirta-se!”
    É fala do filme Cisne Negro, de 2011, a partir do minuto 0:37.
    Tem muitas falas professorais boas que podem ser aproveitadas nesse filme.
    Selecionei essas também:
    ” – Isso fui eu seduzindo você. O que eu preciso é do contrário.”
    ” – A única pessoa no seu caminho é você mesma. É hora de se livrar dela. Solte-se.”
    E o final, que espetáculo!
    Relaxa.
    😀

  3. Os contendores deveriam escolher os padrinhos para o duelo. Garantiriam que os dois possuíssem armas idênticas e lavassem a honra com sangue, (e preferencialmente dos dois duelistas). Triste tempo em que vivemos: nem espadas como antes nem argumentos como deveria ser agora. Cadeira…ora, cadeira. Como escreveu Mariangela acima, para completar o Telecatch faltou o juiz Nilo Riso (que também fazia parte do espetáculo).

    1. Nossa, João Luiz! Lembrar do juiz do espetáculo demonstra uma memória espetacular!
      Tristes tempos, tristes tempos…
      Obrigado, abraços

  4. Miguel Nácul

    “por princípio sou a favor do pensamento e sua expressão permanecerem livres. Livres mesmo, e não só quando, ou porque, ganhará aplausos”.
    É isto aí amigo Rubem, valor inegociável!

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