“Olá” e outras 999 palavras

Acho que já contei essa história – em mais de vinte anos de crônicas, a chance de repetir é enorme, mas o contexto, na certa, era outro. Aos fatos: a mãe tinha uma vizinha que demorava uns quinze minutos para atender à campainha de casa. Quero dizer, atender, atender, era rápido. Dizia sem abrir a porta “só um instante, Isolde!” e seguia-se um longo silêncio, quebrado pelo barulho da chave e, enfim, a porta aberta. O que ela fazia no meio do tempo? Produzia-se. Inês, a quem declinarei só o primeiro nome, recusava-se a receber uma vizinha em maus trajes ou desalinho. Detalhe: a mãe só havia atravessado a rua depois de sair de sua rotina – nunca estava mais composta do que o modo comum do dia a dia.

Lembrei desse fato ao olhar algumas fotos escolhidas por amigos para o WhatsApp. De um modo semelhante, são essas as primeiras imagens que nos chegam e, exatamente como fazia a dona Inês, para elas temos a chance de recorrer à produção. Depois, se abrimos vídeo ou não, é outra conversa – aliás, por telefone e por vídeo sempre a conversa é outra, como também é diferente por escrito e em áudios gravados. Os aplicativos de mensagem são um mundo cheio de diversidade.

Voltando aos perfis, há quem esteja sensualizando, sorrindo, sério, distante (evitando o olhar direto). Há quem apareça em nossa tela na companhia de pessoas (cônjuges, filhos) e tem quem venha com seu pet no colo. Uns optam por não se mostrar, colocando paisagens, objetos, personagens de ficção ou outras imagens figurativas. A pergunta que fica é: todos se dão conta de que estão mandando recados subliminares através de suas escolhas, de suas produções? Se sim, ok. Se não, como não!?

Se você nunca parou para pensar nisso, colocou uma imagem qualquer e considera uma perda de tempo o assunto, volto para a vizinha: por mais que eu considere seu caso uma excentricidade, nas nossas imagens eletrônicas não precisamos demandar muito tempo por vez. É pensar no assunto, planejar e executar uma só vez por semanas, meses ou anos. Não importa muito o assunto que levou alguém a entrar em contato, ele precisa encontrar o interlocutor composto a mil. Até para oferecer um singelo envelope de fermento ou receber uma correspondência entregue errado.

2 comentários em ““Olá” e outras 999 palavras”

  1. Depois de se produzir para a vizinha desarrumada, se ela pedir para tirar uma foto sua, assim, bem de frente e arrumado, não esqueça de pedir para editar as íris da foto. Atente para o fato de que a íris vai estar refletindo a tua vizinha desarrumada.

gostou? comente!

Rolar para cima