Ocean Phoenix

Vocês sabem que a Praia do Barco se chama assim por causa de um naufrágio, né? Em suas areias repousa os já poucos e pedaços do esqueleto do casco da embarcação Phenix, um navio inglês que rumava para as Malvinas. Ainda hoje, caso o mar recue bastante, mostra o pouco que ali restou passados mais de 180 anos. O que vocês talvez não saibam é que há outro naufrágio naquele pedaço bravio de costa. Este, sim, meu tema.

Tive a sorte de singrar em águas extintas. Desde bebê e juventude adentro passei dois meses do ano em um ambiente raro o qual o tempo tratou de encalhar. No restante de minha vida acompanhei o mesmo tempo a cumprir o serviço de corroer sua estrutura. Pedaço por pedaço a se desfazer, soltar-se e sumir. Sou eu quem está deitado, hoje, naquelas areias. São minhas costelas que incautos veem apontar no recuo do oceano.

Preciso ter muita retidão de propósitos para não cair na tentação de exaltar o passado como sendo um lugar ideal, maravilhoso, perfeito. Ao contrário disso, veraneávamos cercados de precariedades: por muitos anos sem luz elétrica, sem água tratada, sem estrada de acesso, sem mercado, açougue ou padaria (nosso pão era feito pela dona Adárcia), sem posto de saúde ou de polícia. Sem nada? Calma: tínhamos o mar, o céu estrelado, a natureza intocada, o tempo gigante dos longos dias de verão, umas vinte casas, a igreja e o hotel.

Minha sorte e sua raridade repousam na necessidade humana de união em comunidade quando não há conforto, luxo ou abundância ao dispor. Igreja e Hotel Vendaval, por exemplo, eram os pontos de convergência. Atendiam as urgências da alma e do corpo de cada veranista ao mesmo tempo em que nos transformavam numa unidade maior. Todos se conheciam e se amparavam na dança harmoniosa entre virtudes e defeitos, êxitos e fracassos, fartura e carência. Por exemplo, crianças andavam soltas porque todos os olhos eram vigilantes e zelosos. Um fio desta nascente meus filhos mais velhos, Ivan e Clara, ainda viram. Almejaria algo mais precioso para minha pequena Agatha?

Um dos particulares motivos de o ano de 2020 e 2021 restarem em minha memória como um só período, eu trocando a toda hora a posição dos fatos com relação ao momento de pandemia, é não ter ido para praia durante o confinamento. Ao jazer por curto período que seja naquela areia, ao sentir na boca o sal do oceano, ao me expor àquele sol, junto na memória cada um dos milhares de pedaços da particular fênix e ela renasce esplêndida em meu coração. Mortos conversam comigo, erguem-se novamente gigantescos cômoros de areia, sento-me à mesa em casarões de madeira, pulo Carnaval.

Quisera ter o talento dos cineastas para mostrar para vocês este filme.

6 comentários em “Ocean Phoenix”

  1. GERSON JOCHIMS JUNGBLUT

    Que lindo, ainda mais porque tbm sou integrante de muitas destas histórias e deste lugar maravilhoso, o citado. Grande abraço vizinho de rua, etc

    1. Sim, Gerson! Você – colega de futebol do Daniel – e toda sua família são parte inseparável de minha infância e juventude. Abração!

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