A morte – sabe ela? – chega para todos mais cedo ou mais tarde. A imprevisibilidade nos salva e, ato contínuo, a previsibilidade nos condena. No meio do caminho, a vida. É ela quem denotará uma certa justiça na medida de tempo, ou uma completa injustiça. Conceitos que aparecerão em comentários lastimosos de “cedo demais” ou diferentemente lastimosos de “já foi tarde”, só para ficar nos extremos.
Venturosos serão todos os que partirem num imaginário “tempo justo”. Essa é uma régua bastante elástica, mas que, em seu tracejar, contempla alguns marcos importantes. Por exemplo, para quem teve filhos e netos, conhecer filhos e netos – uma impressão verdadeira de legado. Melhor ainda é ver os filhos e os netos crescerem, tornarem-se adultos. Ou mesmo quando ainda pequenos, ter tempo de construir lembranças. Isso nunca será pouco.
Há outras heranças que também justificam nossa partida. O amor que fizemos brotar no coração de quem nos conheceu, por exemplo. Há quem traga consigo uma carga de sementes tão magnífica que, mesmo partindo cedo em termos cronológicos, deixa atrás de si uma floresta de saudade. Não deixou filhos e netos? Certo, mas deixou pais, irmãos, primos, colegas, amigos, tios, avós ou admiradores que levarão consigo o acolhimento da alma por toda a vida.
Realizações profissionais também são importantes. Aqui, não precisamos ser um Freud, uma Calo, um Chateubriand ou qualquer grande expoente da ciência, da arte ou do empreendedorismo. Há enormes pequenas conquistas em todas as áreas e nas diversas atividades por elas contempladas. Ou alguém duvida da grandeza de pediatras, mestres, cozinheiros, garis? Quantos religiosos não doaram suas vidas em prol da coletividade e se tornaram eternos?
E eu, partirei cedo ou tarde? Podem rir, mas a primeira vez que o tema me impressionou foi quando não aceitava morrer virgem. Visto de longe parece bobagem. Porém, à época foi uma questão de fundo. Depois, desejei muito ter filhos – é um engano julgar ser primazia feminina o plano de ter uma criança nos braços. Vieram três. Já plantei árvores e escrevi livros – de quebra, lancei discos. Construo um legado profissional peculiar e amo com entrega. No que, ao cabo, me conformo: ainda é cedo. Cedíssimo.
Para quem não sabe, firmei um contrato com Vanessa: trinta anos, fora os aditivos. Quero ver Agatha crescer e alcançar a ventura de ter netos. Preciso fechar algumas costuras de trabalho e acertar uma dívida comigo – uma espécie de virgindade, ainda que diferente: como alcancei a vocação tardiamente, zerei o cronômetro aos quarenta. Portanto, dona morte, trate de vir mais tarde do que cedo. Agradeço.
Que coisa mais linda! Que a vida te entregue tempo, saúde e amor.
Anne, sinto-me abençoado pelo tempo que passo com pessoas como você. Abraços!
Que Maravilhosa Reflexão! Viver Bem o Hoje, Quem Sabe Retarde a Morte.