Segundo Moacyr Scliar, dito num programa de TV com o Verissimo, a crônica é a transcrição para o jornal da conversa de bar. Perfeito! Tanto que, ali acima, consta “Crônicas de Botequim” para nominar a coluna. O conceito igualmente norteia meu trabalho em oficina literária, a Santa Sede. Nada mais fiel ao precioso hábito que forjou nossa mais luminosa geração de escritores. É bem isso, mas não só.
A crônica também é a transcrição para o jornal da conversa de padaria, seja no café da manhã, seja no café da tarde. É a transcrição do almoço comercial, do jantar em família, do xis na madrugada, da marmita na obra. Do pão dormido ao caviar; dos talheres de prata aos dedos sujos de graxa; do indestrutível canudo plástico à frágil taça de cristal. Onde dois ou mais estiverem conversando, lá estará a crônica esperando o cronista para transcrevê-la no jornal.
Tem mais: este é o espaço da transcrição da vida para a página. Uma espécie de caixa de ressonância para o que nos impressiona ou para o que deixamos escapar sem nada sentir – e faz todo o sentido. É um quadro do tempo e da sociedade, cuja imagem é generosa e meticulosamente desenhada pelo cronista e, mesmo quando aparece distorcida, nos servirá de referência. É uma leitura do instante para dar-lhe ares de perenidade – e assim se parecer com uma fotografia. É a vida em voz alta (Rubem Braga), quando o timbre demonstra parentesco com a música popular. Música, aliás, que nos devolve àquelas rodas de bar que retardam a descida da cortina de ferro encerrando mais uma noite.
Há, contudo, o dia em que baixa a cortina de ferro de modo menos transitório: o botequim fechou, diz a placa improvisada. Hoje é este dia. Esta é a crônica-placa-improvisada. Depois de seis anos e meio de encontros semanais com os leitores do Metro, finda este ciclo. Momento de uma pitada de melancolia e, junto (ou melhor, principalmente), muita gratidão.
Obrigado aos queridos colegas de redação, ao Grupo Bandeirantes e a vocês, leitores, pela duradoura conversa de botequim. Meu desejo era que todos pegassem o Metro na esquina – fui educado a jamais partir sem dar tchau. Como é impossível, peço a você que comente com o pessoal e repasse meu agradecimento. Foi um privilégio, uma honra, algo inestimável e inesquecível. Por fim, perdoem alguma má palavra. Com carinho, Rubem.
Crônica originalmente publicada no Metro Jornal Porto Alegre em 18.12.18