Improviso é pai, solução é mãe
Rubem Penz
Chamou a atenção de todos e gerou notícia mundial a gambiarra do astronauta francês Thomas Pesquet ao prender de volta um equipamento no capacete do colega estadunidense com um arame durante uma atividade de manutenção na Estação Espacial Internacional. Segundo a nota, o sucesso da missão foi possível por causa daquela improvisação, o que me fez recordar, obviamente, de Angus MacGyver. Também do meu pai. (Talvez meu filho possa ter se lembrado de mim…) E que as gambiarras, como tudo nessa vida, têm dois lados: um bom, outro ruim.
A capacidade de resolver problemas com os recursos disponíveis, criatividade e habilidade manual nos salva diariamente de perrengues inesperados…
O lado bom é ilustrado pela notícia distribuída pela NASA – pararam para pensar no custo estratosférico que é mandar astronautas para fazer reparos numa estação deste tipo? Não é pegar um UBER e ir ali no bairro vizinho, um carro para ir à outra cidade ou um avião para nos levar para outro estado ou país: estamos diante de um foguete rumo ao espaço sideral! Quantos dólares valeram cada laço de arame do francês? Milhões. A capacidade de resolver problemas com os recursos disponíveis, criatividade e habilidade manual nos salva diariamente de perrengues inesperados, separando os humanos entre os que fazem parte do problema e os que fazem parte da solução. Quero sempre estar no segundo grupo.
O lado ruim é a tentação de considerar o remendo como solução definitiva. Isso era muito a rotina do meu pai: nem uma nem duas vezes o provisório durou para sempre (ou para até o momento insustentável). Ele era um homem do funcional acima da estética, por exemplo. Também um eterno confiante em suas soluções como seguras. Como fui criado tendo ele como exemplo, preciso lutar contra idêntica tendência. Ou seja, é um esforço interno empreender o conserto definitivo quando há uma quase paixão pela mágica realizada por um clipe, um graveto, uma embalagem plástica ou, tal como na NASA, um arame. O horror dos homens assim é o atual cofre do motor dos automóveis: está completamente fechado e uma placa de computador manda na coisa.
Tudo nos remete a Darwin – a evolução da espécie se dá por adaptação ao ambiente. Expandimos nossas fronteiras porque nem o inóspito mundo fora da nossa atmosfera é capaz de nos restringir. E, quando a engenharia (a tradição, a cultura, o estabelecido) falhar, a inventividade será sempre a resposta mais rápida contra um problema imediato, exigindo raciocínio instantâneo e otimização de recursos. Improvisadores são hábeis e inteligentes. O problema é quando o pacote traz junto uma certa preguiça, reconhecendo no menor esforço a mola propulsora de aprimoramentos. É aí que lembro da minha mãe a exigir algo mais correto do que aquele monte de remendos com fita crepe.
Perfeito. A gambiarra mantém em funcionamento, mas só o conserto devido dá vida útil ao elemento consertado.
Esse é o ponto. Eis o equilíbrio, Altino!
Abraços!