Um triz
Rubem Penz
É preciso um bocado de tristeza se não não se faz um samba bom
Vinicius de Moraes
Quando, durante as Olimpíadas do Rio, a repórter Karin Duarte perguntou ao atleta Bruno Fratus se ele estaria chateado com o sexto lugar na prova dos 50 metros nado livre, ele, irônico, disse que não, estava “felizão”. Deveria ter no manual prático do jornalismo aplicado (se o manual existisse) um parágrafo dedicado a jamais fazer uma pergunta que todos sabem a resposta, ainda mais se dói responder. Porém, até onde eu sei, o nadador brasileiro ficou chateado com sua frase e pediu desculpas, colocando no calor da hora a culpa pelas palavras enviesadas. Não sei se a repórter se desculpou, também. Deveria.
Depois de conquistar a medalha de bronze nos Jogos de Tóquio, novamente diante dos microfones, Bruno confidenciou sua última conversa com Michelle Lenhardt, esposa e técnica. Disse que ela o teria aconselhado a ser feliz durante os parcos segundos da mais rápida prova da natação, sem que o resultado fosse o mais importante. Ou seja, nadasse em paz com sua performance. O que me fez pensar que o pódio é a combinação de corpo, cérebro e coração (poderia dizer alma?). Quando os três apoios colaboram, a chance de êxito aumenta. Só existe um problema: os outros. Ainda que “problema” não chegue a ser a palavra certa.
… a vitória costuma acontecer por um triz – palavrinha curta que traz em si as letras de triste e de feliz a conviver em equilíbrio – meio a meio.
Fosse a vitória – o ouro – a única fonte de felicidade, o esporte competitivo seria a maior fábrica de sofrimento já criada pelo homem e, ao contrário, não é isso que vemos. Êxitos e insucessos são duas faces de uma mesma moeda – algo muito claro quando pensamos no jogo de cara e coroa. Professores incentivam seus alunos a praticarem esporte para que a atividade propicie mais lições ligadas à frustração do que ao sucesso. É dos tropeços que nascem a perseverança, a humildade, a resiliência, a persistência, a fé, a superação, o respeito aos limites e ao próximo. Em cada centena de competidores, teremos 1% de vitórias e 99% de derrotas. O motor do processo é existir 100% de chance.
E quando não temos qualquer chance, o que torna alguém feliz fazendo esporte? Essa resposta eu sei de cor, pois vivi uma existência inteira de mediocridade nas canchas, pistas, quadras e ginásios: a intensidade do casamento de corpo, cérebro e coração ofertada num único passe perfeito vale a jornada inteira. É uma alegria arrebatadora, proporcional ao tempo de treinamento. No caso dos atletas profissionais, maior do que todos os sacrifícios cobrados pela performance de alto nível – e eles são muito maiores do que sonha o senso comum.
Termino com um conselho aos pais, uma vez que domingo é o Dia dos Pais: incentivem seus filhos a praticar esporte e muito cuidado onde depositar sua felicidade e, principalmente, a deles. A vitória é boa demais, é o objetivo, é o coroamento do percurso. Mas pode vir ou não num milésimo de segundo… Enfim, a vitória costuma acontecer por um triz – palavrinha curta que traz em si as letras de triste e de feliz a conviver em equilíbrio – meio a meio.