Quem sai aos seus não degenera
Adágio popular
Tendência genética não costuma falhar e, sempre, isso traz boas e más notícias. Colocamos as boas na coluna dos pendores, na boa compleição física, nos dotes mentais e na resistência a males que a vida nos apresentará. As notícias ruins pesam na balança contrária: os exatos opostos aos atributos recém descritos. É quase inevitável nos orgulhármos da herança positiva e, da negativa, termos vergonha. Bobagem: não há mérito ou demérito em jogo. Vaidosos devemos ser de como lidamos com o “graças a” e, principalmente, com o “apesar de”.
Tudo isso para dizer que senti vergonha de ter sentido vergonha da minha crescente e inevitável condição de surdez. Inescapável por causa da genética. Depois de não ter escutado informações importantes, e de ter sido cobrado pela Vanessa sobre o que disseram, respondi que não ouvira e tivera vergonha de pedir para repetirem. Foi a primeira vez que precisei fazer o básico – reconhecer uma deficiência – e falhei em admitir algo que, para quem não tem tal problema, parece pequeno. Sabe que parecia pequeno para mim, também? Até doer. E doeu.
Antes da pandemia acompanhava com razoável cuidado minha curva auditiva descendente. Por sorte, as frequências mais atingidas eram altas, sons super agudos. Também mais o ouvido direito do que o esquerdo. Sei de tal condição faz mais de trinta anos e, pelo menos há vinte, caminho para o mesmo destino de mãe e das tias. É um problema irreversível e de lenta evolução. Já peço em casa para que falem comigo olhando na minha direção – projetar a voz assim ajuda muito. Na TV, padeço do mal de escutar e não compreender quando o volume está muito baixo.
Estou intimamente verificando o que é preciso para resolver a questão da vergonha que tive: humildade ou altivez? Humildade parece o caminho lógico. Pedir perdão por não ter escutado, solicitar que repita e, de preferência, mais alto. Todavia, uma auto estima elevada pode, igualmente, ser útil: evitar a autocomiseração, abandonar a ideia de que a audição menor é incapacitante ou vexatória (ainda mais nas portas da terceira idade, minha condição cronológica). Dizer em pensamentos: surdo, sim, mas com que olhos azuis, hein? Heranças, sempre elas, as heranças…
Uma certeza: está subindo meu repertório de palavras com “H”:
– Hã?
– Hein?
– Hum?
– Ah…
Eh?
Bela demonstração de humildade.
Obrigado, Altino! 😉
E este problema interfere na tua atuação como músico? Porque com a escrita já sabemos que não faz nem cosquinhas.
Não interfere, Mariângela. O grave está no muito agudo, nas demais frequências vou bem, obrigado! Beijos!
Minha solidariedade Rubem. Compartilhamos do mesmo problema e genética! Mas eu não tenho olhos azuis!
Obrigado, Miguel! Mas os olhos coloridos não ajudam em nada quando chamam por nosso nome, hahahaha! Abraços!
Meu amigo Rubem, sempre exaltei tuas qualidades que são muitas. Mas esta crônica além de precisa e me atingir em cheio também me deixa a possibilidade de exercitar a Humildade. Obrigado por mais esta!
Sim, Gerson! É sempre delicado tratar de nossas deficiências. E sempre necessário. Muito obrigado, abração!