MENTE SÃ, CORPO SÃO
O rumoroso caso de denúncia de abuso sexual envolvendo a nadadora Joanna Maranhão e o treinador Eugênio Miranda repercutiu na imprensa brasileira. Não é para menos: além de ter como protagonista uma atleta de destaque, joga luz sobre um tema dos mais sombrios em nossa sociedade. Porém, como nocivo efeito colateral, ele alastra uma sombra de desconfiança a toda uma categoria de profissionais – os professores de educação física – educadores e técnicos responsáveis pelo desenvolvimento sadio de nossos filhos em clubes e escolas. Algo compreensível, mas longe de ser justo.
A lista de preconceitos aos quais os professores de educação física estão sujeitos é extensa e antiga. Fácil entender: na média, são homens e mulheres com corpos bem cuidados, trabalham mais expostos, lideram atividades lúdicas e recreativas (mais relaxadas do que aquelas impostas em sala de aula) e costumam ser ídolos para jovens e crianças. Não raro, e aqui não há nenhuma novidade, habitam inconfessáveis fantasias de cunho sexual na comunidade, sem, necessariamente, moverem um músculo nessa direção. Portanto, queiram ou não, suportam no cotidiano uma constante tensão moral, mal disfarçada em piadas e estigmas.
Avaliações apressadas com base no conceito de que a ocasião faz o criminoso podem incidir em enormes iniqüidades. Depois de cursar a Escola de Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (ESEF/UFRGS) e, por dois anos, trabalhar na área, afirmo com conhecimento de causa: nada pode ser mais contraproducente na relação professor/aluno ou treinador/atleta do que o contato erotizado. Se isso fosse freqüente como faz crer a série de reportagens nascidas da denúncia de Joanna Maranhão, as aulas de educação física e a prática de esporte não alcançariam qualquer êxito (o afastamento entre a atleta e o técnico, se ocorreu pelos motivos expostos, prova o argumento). Ao contrário, é a respeitosa abordagem do professor que gera a confiança necessária no aluno. Com base nela, o esporte se desenvolve.
Pai de duas crianças, também sou assombrado com a idéia de ter os filhos molestados por um pedófilo. Entendo o sofrimento de dona Teresinha, mãe de Joanna, e amplifico sua indignação. Considero muito corajosa e repleta de valor a iniciativa de denunciar atos brutais: é apenas com a revelação que as eventuais culpas serão imputadas. Mas ela servirá, antes de tudo, para aguçar nossos ouvidos para as queixas infantis, muitas vezes desesperadas em transmitir um pedido de socorro. Afinal, especialistas apontam o abusador como alguém quase sempre próximo da vítima, gozando de seu respeito, afeto ou admiração. Isso não livra ninguém, nem os pais, de igual suspeição.
Que este episódio, triste sob qualquer prisma, seja base para discussões nos bancos e quadras de nossas ESEF, além de pauta de reuniões de Círculos de Pais e Mestres. Estejam atentas as direções de clubes e escolas: o desenvolvimento do esporte brasileiro, a saúde de nossos jovens e a crença na atividade física como fator de integração social dependem de tal vigilância. As piadas e mitos em torno dos profissionais em nada combinam com a responsabilidade a eles atribuída. Reitero grande respeito e confiança nos tantos professores que conheço – meus mestres, antigos colegas e mestres dos meus filhos. Pessoas de mente sã, responsáveis por tantos corpos sãos.
Ao tratar um evento específico, esta crônica denuncia um sentimento humano geral e profundo. Treinador e atleta, professor e aluno, colegas de trabalho, familiares: estes são relacionamentos sagrados basedos na confiança e respeito mútuos. A traição desta confiança dói no fundo do coração.
Isso mesmo.
Acho que dói para sempre…
[]Rubem