Rubem Penz
Indiscutível é a coragem de cantar contra a corrente. Indevassável é a verdade contida na alma do artista. Irrevogável é a crença no valor autêntico e visceral da música brasileira. Irretorquível é o casamento harmônico e melódico de Europa e África selado em nossas salas de concerto, terreiros, teatros, praças, coretos, ruas e bares. Por tudo isso, é indispensável conhecer o trabalho de Nani Medeiros e seu álbum “Valentia”.
Esta pérola parece ter sido colhida para devolver esperança a quem se acostumou a lamentar numa melancólica e passiva depressão auditiva o tempo em que a canção brasileira tinha voz e vivacidade. Estamos, sem dúvida, diante de uma boa nova em forma de samba, valsa, samba-canção e ijexá. Isso porque Nani faz parte de uma emergente e promissora geração de intérpretes capazes de restaurar a cena musical trilhando o melhor caminho – aquele que passa pela tradição, cruza nossas mais caras referências e apresenta-se com o frescor das flores recém brotadas na primavera.
E “Valentia” não se restringe à voz limpa e brejeira de Nani, bem lapidada nos estúdios Loop Discos. Suas canções são compostas por gente sem cabelos brancos, como disse ela para o público em seu lançamento. Quase todos os temas têm a assinatura de Mathias Pinto e Alexandre Susin, dupla que me faz revisitar Baden & Vinícius. A exceção é nobre: uma deliciosa composição de João Camarero e Paulo César Pinheiro apadrinha o conjunto da obra, num só tempo referência e reverência. Também são jovens os músicos, dos quais destaco Fernando Leitzke, Júnior Pita e o próprio Mathias. Como diz o texto de apresentação de Flávia Moraes no álbum, são “canções inéditas que soam como velhas conhecidas”.
Se já não bastasse a teia de elogios até aqui, Nani faz o que o espectador exigente que sou considera imprescindível: enche o palco. Creio ser o palco o único espaço/tempo sagrado da arte e do artista, o canal da expressão por excelência. Revelação da aura. Transformação do humano em divino. Apropriar-se deste território é ser capaz de entrar em sintonia com o público, trocar energias e transcender.
Pareço animado? É que meu ânimo se alimenta destes lampejos que sobrevêm apesar das tantas más notícias, falsas polêmicas e mediocridades capazes de intoxicar as pessoas quando a cultura ganha as manchetes. Igualmente por conhecer novos compositores, músicos e intérpretes que têm por base a tradição a servir de trampolim ao bom futuro. Viva a valentia!
Crônica publicada no Metro Jornal em 10.10.2017
Créditos da foto: Tom Silveira