Número 243 e convites

DEZEMBRO DE 1987

 

um de nós sangra moinhos

de nós, um não crê em miragens

à paz, ao infinito

em nós nasce a viagem

além

Xavier & Penz

Era uma tarde de sábado. Fazia o tanto de calor que se espera do verão porto-alegrense, amenizado por um ambiente subterrâneo – a garagem da casa dos meus pais, onde eu ainda morava. O carro da família, por força da circunstância, estava na rua, ao sol. A bateria ocupava o lugar de praxe: à esquerda de quem entrava no grande salão para dois automóveis, sobre o seu tapete verde, diante da pia ao lado da churrasqueira. Eu repassava pela terceira ou quarta vez a afinação das peles. Revisava as baquetas. Tirava com uma flanela alguma opacidade nos pratos. No peito, uma contagem acelerada queria chamar, de uma vez, o início da música. A primeira batida, contudo, coube à campainha.

 

Antônio, Marcelo e Felipe chegaram juntos. Sorriam. Fora muito fácil localizar o endereço. Trouxeram consigo, entre os amplificadores e estojos de instrumentos, algo fundamental: muita camaradagem e descontração – os três já eram grandes amigos. Perguntaram se a tomada era com certeza em 110 volts. Pediram um T. O sax tocaria acústico e, por isso, não era bom exagerar no volume. Melhor: eu não queria bronca com a família ou com os vizinhos. Ainda tinha o problema da enorme reverberação do ambiente, amenizada somente pela porta de correr em madeira. Para entrar mais ar e luz, abrimos uma grande fresta para a rua – não tinha perigo. O ideal, segundo o consenso, era ter um tecladista na formação. Enquanto não encontrássemos alguém disponível, atacaríamos de quarteto: sax, guitarra, baixo e bateria.

 

No ano anterior eu havia conhecido o primeiro deles: Felipe. Estávamos na praia, em um aniversário. Ambos um pouco deslocados na festa, sem intimidade com quase ninguém. Quando a música entrou na conversa, salvou a tarde. Num instante comparávamos influências, citando álbuns e avaliando compositores. Na época, ele tocava violão e contrabaixo. Prometeu me apresentar outros músicos que também gostavam de jazz e faziam música instrumental: Marcelo e Antônio. De fato, na volta para Porto Alegre, fui assisti-los em uma festa e, depois, em um show do Quarteto Insólito, formação de muita inventividade e pouco futuro. Após a dissolução do insólito grupo, e com os avanços do Felipe no saxofone, os três resolveram procurar um baterista. Apesar de estar mais afastado, eles tinham o meu telefone e quiseram saber se eu topava um ensaio, mais ou menos sem compromisso. Sim, claro! Marcamos.

 

Todos prontos. Coube a mim abrir a contagem. Naquele primeiro sábado, tocamos standards: Sugar, Stella by Starlight, This Masquarade. Best Wishes também, se não me engano. Alguma bossa nova – Wave com certeza. Logo escureceu e, como manda a educação, tínhamos que parar. Era tarde. Tarde demais: vinte anos se passaram e ainda não paramos. A musicalidade experimentada, resultado do bom casamento dos instrumentistas, pedia um novo encontro a cada sábado. O conjunto se mostrava melhor do que o individual, os caminhos melódicos bastante harmônicos. O Grupo Versão Brasileira, nascido assim, mais ou menos sem compromisso, sobrevive por quase metade de nossas vidas. Em dezembro 1987, eu nem sonhava como onde e estaria ao final de 2007. Hoje, não imagino minha vida sem aquela longínqua tarde de sábado. De cinco em cinco anos, mais ou menos, lembramos de que o ideal seria encontrar um tecladista disponível. Se demorar, vamos acabar desistindo.

 

Convites :

 

1)      Dias 30/11, sexta-feira (19h30min), e 1° de dezembro, sábado (17h), o Grupo Versão Brasileira celebra seus 20 anos de existência. Será no Auditório da Livraria Cultura , no Shopping Bourbon Country, 2° piso. No palco, o jazz que marcou nossa história e a participação especial de José Paulo Pires (guitarra) e Clóvis Pires Jr (percussão). Na platéia, contamos com você.

 

2)      A Casa Verde e os autores (eu sou um) convidam para o lançamento do livro Contos de Algibeira. Será na Alameda dos Escritores – Shopping Total (Cristóvão 545) –, também dia 1° de dezembro, a partir das 18h30min. Bom, dá para ver que eu chegarei mais tarde… Mas estarei lá!

2 comentários em “Número 243 e convites”

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