Número 321

POR ARRAIAIS SEM ARRANHÕES

Festa Junina é uma tradição interiorana. Talvez isso explique sua louvável resistência ao vírus do politicamente correto, disseminado nos últimos anos por toda parte, mas, principalmente, nos grandes centros urbanos. Ainda bem! Afinal, bem posso imaginar o estrago provocado nas tradicionais festas de São João, São Pedro e Santo Antônio caso aderissem à intolerância das patrulhas corretoras. Sobraria quase nada.

A primeira vítima, creio, seria a própria figura do caipira. Os politicamente corretos protestariam contra o fato de pintarmos os dentes para ficar banguelas. Afinal, é uma carga violenta de preconceito contra os pobres desamparados, historicamente mantidos longe das cadeiras de dentistas em função de suas condições monetárias. Além do mais, isso evidenciaria um deboche com relação à suposta disparidade social do homem do campo em termos de educação e de higiene. Não faltaria, também, quem exigisse uma atualização no caipira, pois, integrado à cadeia de agrobusiness, ele tem em mãos tanto um laptop, quanto uma escova de dentes de última geração.

A patrulha da moda também poderia colocar suas agulhas de fora: onde já se viu calças surrecas (puídas e remendadas), camisas xadrez sem o menor feitio, suspensórios e chapéu de palha para representar o campesino? Onde fica o jeans justinho, a camisa de grife, o chapéu de vaqueiro norte-americano e as botas de couro, itens predominantes em toda festa de boiadeiro? E os desastrosos vestidos de chita, maria-chiquinha e sardas? Depois do tal Ozônio (que bem poderia ser nome de Coronel), ninguém mais se descuida do protetor solar e, por isso, louvar as sardas pode ser interpretado como desestímulo ao seu uso. No caso sulino, ainda tem os gauchamente corretos patrões de CTG (Centro de Tradições Gaúchas) para proibirem pilchas em festa de caipira. Bombacha e vestido de prenda são trajes de gala, e não fantasia!

Quando o assunto é fogueira, a briga seria com as patrulhas ecologicamente corretas. Não faltaria alguém para citar de memória um coeficiente de poluição gerado por uma fogueira média, ardendo por meia dúzia de horas. Ao multiplicar esse valor pelo número de fogueiras acesas no Brasil em noite de São João, a grandeza auferida significaria meses de produção ininterrupta em uma laminadora neoliberal capitalista e safada (aqui a patrulha de esquerda dá o tom). Isso sem falar na quantidade de mata nativa sacrificada para que homens desprovidos de autocontrole etílico arrisquem sua integridade física em saltos temerosos ‒ flagrantes de mau exemplo para as crianças presentes na festa.

Nem mesmo o casamento na roça escaparia da ação das críticas politicamente corretas. A moça grávida (e ainda solteira) estaria estimulando a prática de sexo na adolescência. O pai, obrigando o noivo a desposar a menina sob a mira de uma espingarda, seria um exemplo cabal de tortura e coerção. E onde estaria o porte e registro da arma? Ela foi adquirida legalmente? Além do mais, ninguém hoje em dia acredita no casamento forçado como método eficaz para corrigir desvios de conduta. Por fim, não faltaria quem também exigisse a realização de casamentos homoafetivos, multirraciais e ecumênicos, com o argumento de que todas as minorias merecem as bênçãos de Santo Antônio.

Que os Santos juninos protejam os arraiais contra a patrulha politicamente correta. Senão, daqui a pouco vão estragar a brincadeira da cadeia com Habeas Corpus preventivos; vão considerar os buscapés como bullying; pau de sebo, só com rede de proteção; para as bandeirolas, exigirão papel reciclado; copo de quentão com a gradação alcoólica; determinados decibéis na altura dos autofalantes; queima de fogos por empresas especializadas etc ao infinito. Na esteira da (corretíssima) proibição de balões, a turma do politicamente correto pode desfigurar uma das mais divertidas manifestações populares. Apagando, enfim, a fogueira em nossos corações.

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