Número 397

SEM RISCOS

Rubem Penz

Vejo na TV o caos da Segurança Pública no RJ. Antes, li atentamente a reportagem de capa de uma importante revista semanal brasileira. Trata-se de entrevistas (quase uma centena) com homicidas. Investigou-se o que pensam e sentem aqueles que cometem este crime capital. Estão ali os que matam por razões passionais, bandidos que liquidam outros bandidos, valentões alcoolizados, assassinos profissionais e, principalmente, indivíduos que cometem latrocínios – roubo seguido de morte. Detenho-me neste último grupo, pois notei um interessante traço em comum: quem mata quando deseja apenas roubar, o faz quando a vítima reage, ou parece reagir. Em outras palavras, mata quando está em risco.

Tenho por hábito acompanhar entrevistas com autoridades de segurança pública. Seria injusto eu dizer que eles não ligam para o quadro alarmante do momento. Porém, todos os motivos são arrolados para explicar o inexplicável: poucos presídios, leis brandas, falta de inteligência contra o crime organizado, fronteiras permeáveis para a entrada de armas e drogas, miséria, corrupção, desemprego, famílias partidas, crise de valores morais etc. Por fim, em um ponto, bandidos e polícia concordam: o cidadão não deve jamais esboçar a menor reação. Se reagir, morre, diz o ladrão. Se reagir, morre, diz a polícia. A passividade conformada atenua o risco.

A conclusão é simples: com a institucionalização da passividade (e olha que a lei do desarmamento nem passou em plebiscito), com o fim do risco para os bandidos, essa atividade precisa ser denunciada ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Num regime capitalista, não podemos admitir iniciativas privadas imunes ao inerente risco de empreender. Se o marginal coloca duas vidas em negociação (a nossa e a dele) e só um lado pode perder, Cade nele! E tem mais: a vida por um simples relógio, boné ou celular é preço abusivo! Procon nele! Nossa vida está valendo muito pouco. A outra, como disse, não está mais em risco.

Avançando o raciocínio, exercer “profissões” sem risco pressupõe estabilidade. Porém, sabemos que estabilidade não é bem assim: deve haver ao menos algum regramento. Concurso público, quem sabe. O bandido precisa comprovar conhecimento e controle emocional para distinguir entre o movimento de soltar o cinto de segurança e uma reação, por exemplo. Senão vai desperdiçar muita bala e queimar por incompetência um cidadão que poderia ser assaltado vinte, noventa vezes durante a vida útil. Estaríamos muito melhor atendidos se houvesse a certeza de que o ladrão precisou estudar, submeter-se a uma seleção, cumprir carreira na pilhagem. Ou, melhor ainda: ser eleito!

Ih, um problema – isso começa a ficar parecido com governo paralelo. Políticos não vão admitir concorrência. O que, por vias tortas, acende uma luz no fim do túnel: talvez combatam a criminalidade salvaguardando seus interesses e, de modo colateral, os nossos.

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