Ex citante

Número 421

Rubem Penz

Caríssima ex,

É voz corrente que você costumava me citar a todo o momento. Estivéssemos em um grupo mais íntimo, sem a menor cerimônia vinha você e me citava. Na cozinha, na sala de estar, nos jardins. Na frente de estranhos, também. Até diante de uma platéia você dava um jeito de me citar. Eu? Nossa… Ficava muito envaidecido, é claro! E vermelho. Chegou um momento em que fazia até questão de frequentarmos eventos concorridos para ver você me citando na frente de todo mundo. Bons tempos.

Hoje, você diz que parou de me citar porque eu parei de lhe citar bem antes. Muito estranho. Jurava que lhe citava com assiduidade, desde a hora em que nos conhecemos. Aliás, quando começamos, acho que lhe citava sem parar! Ah, loucuras de quem só pensa no amor: um não tira o outro da cabeça… e cita desavergonhadamente. Você só pode estar enganada. No máximo, admito, se deixei de lhe citar, foi sem me dar conta do que fazia. Quer dizer, do que não fazia. Ou… Viu só: agora fiquei até confuso! Para vocês, mulheres, ou estamos lhes citando o tempo inteiro, ou não lhes citamos nunca mais. Sem meio termo: homens têm que citar suas parceiras e pronto!

Pensando bem, o que pode ter acontecido conosco é caso típico de calúnia e difamação. Muitas de suas amigas, desejando muito nos ver separados, podem ter espalhado a notícia de que citei outras mulheres por aí, quando não elas mesmas. E citei no trabalho, no clube, até na igreja. Mais: que citei ex-namoradas outra vez. E citar amores antigos por acaso é crime? Para mim são apenas boas lembranças, quase inocentes na medida em que o tempo vai passando. É citação à distância, enfim. Nada de grave. Não que eu esteja admitindo que seja verdade, me poupe! Suas amigas me citarem é uma coisa, colocarem palavras em minha boca é bem outra.

Para piorar nosso caso, noto você citando outros homens de maneira proposital e despudorada, principalmente quando sabe que estarei por perto. Já peguei você citando meu chefe, os colegas de pôquer, os pedreiros da esquina, o filho da vizinha. E citando de modo superlativo! Quando eu era o dono do campinho, até ficava orgulhoso quando você citava os homens ao redor, porque era assim que me citava também. Mas, a partir do momento em que faz questão de não me citar mais, é citando os outros que pretende terminar com a minha auto-estima.

Não sei por que ainda sofro. Já que tudo começou por você sentir que não lhe citava mais, mesmo quando eu achava que seguia lhe citando, farei questão total e absoluta de nunca lhe citar de novo. E, se citei agora nessa carta – contra a vontade! –, foi apenas para você saber o que perdeu.

Por fim, de agora em diante não me cite mais nem de brincadeira. É humilhante até para você ter um ex citado com saudade, ou um ex citado com malícia, ou um ex citado como piada. E citação depois de tanta mágoa é muita vontade de referir.


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