Cigarra, Formiga e Vagalume

Rubem Penz

Cai a temperatura lá fora e, neste inverno antecipado, ou apenas prenunciado com forma de aperitivo em pleno outono, recordo da fábula A Cigarra e a Formiga. Na história, uma trabalha duro para provisionar-se, enquanto outra passa os dias (e as noites) cantando. Ah, artistas inconsequentes! Não sabem o que é uma rotina de abnegada dedicação. Desconhecem os sacrifícios da labuta. Têm a audácia de chamar de profissão o dedilhar de suas liras, o delirar de suas palavras, o desnudar de seus sentimentos… Há sempre um inverno a punir tamanha ousadia. E quem seria eu para desconstruir tamanha perfeição de imagem?

A resposta é simples: alguém que sabe haver muitos corações de cigarra batendo no peito de laboriosas formigas, enquanto braços fortalecidos pela luta acompanham o canto das valentes cigarras. Harmonias e melodias que soam leves e sedutoras, na realidade, ocultam trajetórias de estudo constante, aprimoramento diuturno, pesquisa e investimentos difíceis de mensurar. Nem podemos chamar a música que acontece sobre o palco de ponta do iceberg. Ela é, na verdade, o musgo sobre o ápice da ponta do iceberg. A menor parte do trabalho, ainda que seja a mais importante. A que aparece. A que paga as contas. Quando paga…

Falando nisso, neste 28 de maio, 19h30, no palco do auditório Barbosa Lessa do Centro Cultural CEEE Erico Verissimo (Andradas, 1233), terei o enorme prazer de assistir um grande músico lançar, tardiamente, seu primeiro álbum solo. Refiro-me a lendário Cláudio Vera Cruz (Som 4, Liverpool, Bixo da Seda), parceiro com quem dividi o nobríssimo espaço de calçada defronte ao Café do Porto por um ano e meio. Tempo que valeu uma universidade de aprendizados, com direito a estágio e diploma. Eu, que sempre fui uma formiga com coração de cigarra, conheci de perto a rotina das cigarras com firmes braços de formigas. Ganhei lições de humilde grandeza, vi o quanto se pode voar alto, ainda que ao rés do chão.

O nome do Álbum, Vagalume (uma das composições, dele com Sérgio Napp), não poderia ser mais adequado, pois se trata de um artista com luz própria. Além de Napp, Cláudio ilumina as palavras de outros grandes parceiros: Luiz Coronel, Raul Ellwanger, Hermes Aquino, Bebeto Alves, entre outros nos quais me incluo. Neste CD, Vera Cruz faz um inventário de influências. Nas 13 canções, um passeio por temas que nos enternecem, fustigam e trazem muito humor. Sua voz de forte assinatura, a qual tantos porto-alegrenses conhecem de perto, está mais clara do que nunca. A entrada é franca e o disco estará à venda no local. Amanhã, neste outono gelado, não será noite de cigarra nem de formiga. Será noite de Vagalume. Vamos lá?

Coluna do Metro Jornal em 28.05.2014

 

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