Rubem Penz
Hoje começo com uma história antiga. Conversava com as crianças – à época eram crianças as minhas crianças – quando fui indagado: se pudesse escolher um superpoder para mim, qual seria? Diante de tal questão, na hora fizemos um inventário dos atributos dos heróis: voar, ter força, ler pensamentos. Viajar no tempo ou no espaço, mover objetos com a mente, ser invisível. Meu sonho, porém, frustrou as expectativas da audiência. Disse que, se pudesse ter um superpoder, ele seria a persuasão.
– Como assim, a persuasão? Muito sem graça!
Expliquei, então, que um homem persuasivo não precisa voar: ele convence o dono do avião, que existe para voar, a levá-lo daqui para lá. Força? Alguém muito convincente arregimenta um exército de pessoas e meios e, deles, extrai toda a força do mundo. E a persuasão faz melhor do que ler pensamentos: escreve pensamentos na mente dos outros. Se não viaja exatamente no tempo, ele reconstrói o passado fazendo prevalecer a versão que lhe interessa, além de moldar o futuro a seu contento. O persuasivo tem ideias e elas se materializam pela engenharia dos outros podendo, ainda, se der errado, conseguir que a responsabilidade jamais recaia sobre si – uma espécie de desaparecimento. Bem, os filhos estavam pouco preparados para absorver a grandiosidade do poder contido na persuasão e, mesmo assim, os convenci, comprovando ali mesmo a tese.
Relembrando, apesar do regozijo, uma angústia toma conta do peito. Sou feliz na medida em que pareço, mesmo, um homem muito esperto – venci naquele dia. Mas fico triste (aliás, com medo) em pensar que dos poderes também se apoderam os vilões. E a persuasão, quando influencia interesses mesquinhos, traz tantos malefícios quanto benefícios seriam gerados por interesses generosos. Ou, pior: sob um manto de bondade e com as melhores intenções, o homem convincente pode acarretar verdadeiros desastres pois, mesmo que se possa confundir as coisas, ser persuasivo não é necessariamente ser sábio.
Ok., meu grau de persuasão está muito aquém de super – componho o grupo dos normais. Se herói fosse, usaria tal poder para convencer os políticos brasileiros a confessarem diante das câmeras suas reais intenções na vida pública. Caíssem as máscaras, mais da metade dos nossos problemas estariam resolvidos. Resta, então, tentar convencer a você de que isso é verdade. Talvez seja o suficiente para plantar dúvidas sobre quem costuma ganhar seu voto e, com isso, enfraquecer o poder da retórica eleitoreira. Ínfima e enorme vitória.
Coluna publicada no Metro Jornal em 17.04.2018
Hoje, ganha importância a ilustração, pois festeja os 80 anos do Super-Homem!