Forjado na dificuldade, amolecido na facilidade

Forjado na dificuldade, amolecido na facilidade

Rubem Penz

Confesso: quase comecei a crônica com um “no meu tempo…”. Já fui dissuadido de usar esta expressão pelo singelo argumento de que, enquanto vivo for, o presente é o meu tempo. Cedo, enfim. E, depois desta pequena digressão, gostaria de dizer que em outros tempos por mim testemunhados, os pilotos de Fórmula 1 eram melhores. Não porque os de hoje são piores pilotos, mas devido ao fato de que aqueles lá conduziam carros hoje obsoletos e em condições extremamente adversas. Ainda havia uma variável aterrorizante depois da luz verde e antes da bandeira quadriculada: podia-se vencer, perder ou morrer. Pensava nisso enquanto assistia o GP de Mônaco.

Para mim é impossível acompanhar as curvas fechadas e limitadas por paredes e guard rails singrando a paisagem luxuosa do principado sem lembrar de Ayrton Senna, ainda mais nos 25 anos de sua partida. Parei diante da TV igualmente impactado pelo recente falecimento de Niki Lauda, ídolo de muitas gerações de pilotos e de apreciadores da velocidade. Emocionei-me durante o minuto de silêncio em volta do capacete do tricampeão. Recebi com surpresa minha distração: escapava-me a informação de que o menino Charles Lecrerc corria em casa – bacana! Para completar o quadro, meu atual favorito largava na pole e não teria vida fácil, pois há uma excelente geração de desafiantes ao alto do pódio. A manhã prometia.

Irritou-me a choradeira. Os antecessores de Hamilton saíam muitas vezes destruídos do cockpit, e felizes por não terem morrido.

A coisa vinha perfeita até o meio da corrida, quando os áudios entre Lewis Hamilton e equipe Mercedes foram revelados. Decepcionou-me o mimimi do astro diante do, vá lá, erro de estratégia na troca de pneus. Este fato impôs a ele uma corrida de superação – administrar o pelotão aquém da velocidade possível e, com habilidade, impedir que o desgaste provocasse colisões ou ultrapassagens, tudo temperado pelos temidos chuviscos a molhar o asfalto. No ápice da tensão, precisou vir dos boxes o maioral da equipe em tom conciliador a serenar o ambiente e garantir ao rapaz a durabilidade do pneu: sim, resistiria até o final. Vivo estivesse, não duvido que chamariam o Lauda ao microfone.

Por que fiquei incomodado? Testemunhei placas como única comunicação entre equipe e piloto, baratinhas terminarem a prova com a caixa de câmbio (manual) quebrada, suspensão avariada, combustível prestes a terminar, entre outros percalços. Irritou-me a choradeira. Os antecessores de Hamilton saíam muitas vezes destruídos do cockpit, e felizes por não terem morrido. Todas as falhas no transcurso precisavam ser compensadas no braço, na capacidade de o homem fazer a diferença na condução da máquina. É impossível afirmar ter maior ou menor sucesso um piloto do passado correndo hoje – restaurada sua juventude, é claro. Porém, é certo que os meninos de agora precisariam criar muitos calos se voltassem no tempo.

Bom, foi um final feliz: afiançada pelos boxes, a Mercedes venceu. De lambuja, meu outro piloto favorito, Max Verstappen, domou sua inconsequência e provou ter amadurecido o suficiente para merecer um espaço entre os grandes. Lecrerc, espero, aprendeu que precisa mais feijão para alcançar as façanhas de Senna. Quanto a Lewis Hamilton, ele provou, especialmente para si, estar apto aos recordes de conquistas que tanto almeja. Sem escolher, nasceu amolecido por facilidades. Mesmo reclamando, crescerá muito quando forjado na dificuldade.

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