VAR com Deus

VAR com Deus

Rubem Penz

O VAR (Video Assistant Referee) chegou de mansinho ao futebol, mas fazendo bastante barulho. Diferentemente do tênis e do vôlei, sua prerrogativa é apenas da arbitragem – não dá para “pedir o VAR”. E, ao menos até agora, parece apenas oferecer mais subsídios ao caráter subjetivo – questionável? – das decisões. Uma dúvida: fora das canchas, em nossas vidas, como seria? Melhor? Pior? Igual? Basta alguns segundos para lembrarmos de uma ou mais injustiças tão flagrantes quanto o gol de mão do Maradona e que, por ausência de VAR, jamais puderam ser revistas. Apenas para fins ilustrativos, conto uma das mais emblemáticas acontecidas comigo.

Havia uma regra clara quando eu estava no primário (hoje, séries iniciais): nosso recreio terminava ao primeiro sinal. Depois dele, tínhamos tempo suficiente para que todos, estivessem em qualquer lugar do pátio, da pracinha ou dos campos de futebol, fossem para a fila de suas turmas. Ao segundo sinal ninguém poderia estar fora do lugar, e as professoras buscavam as crianças em ordem e progresso. Um dia, eu na fila, vi dois meninos na cancha de espirobol ao segundo sinal. Deixei minha posição para avisá-los e, ao mesmo tempo, a Irmã Maria da Graça abriu a porta da secretaria. Os três, aqui comigo – disse ela (ou algo parecido). E fomos.

Padecer tão miúdo ao tacão autoritário do poder, e sofrer no corpo e na alma a força da injustiça, ceifou boa parte das minhas ilusões. Isso, garanto, não é de todo ruim.

Mal começara sua homilia educativa sobre as combinações, lembro de tê-la interrompido: eu saíra do meu lugar justamente para avisar aos dois que já havia tocado o segundo sinal. O problema? Não havia Video Assistant Referee para confirmar minha versão. E o que já estava mal, piorou bastante. A Irmã diretora dispensou os dois “ladrões” e me tirou para Cristo. Segundo ela, pior do que infringir a regra, era mentir para escapar da punição. Ganhei um puxão de orelhas (literal, pois os tempos eram outros) e fiquei de castigo. Há época, nada comentei em casa. Conhecia meu pai, e ele jamais desautorizaria sua autoridade. Perigava levar outro castigo, aliás, para deixar de ser trouxa. Aceitei. Jamais esqueci.

Aquilo que não nos mata, nos fortalece, diz o ditado. Foi o caso. Padecer tão miúdo ao tacão autoritário do poder, e sofrer no corpo e na alma a força da injustiça, ceifou boa parte das minhas ilusões. Isso, garanto, não é de todo ruim. A Irmã Maria da Graça avaliou a situação pelo que viu e, minha reação, pelo que supôs. Visto por ela, o VAR referendaria minha narrativa, mas nem assim daria conta da subjetividade. E essa é a questão: porque falhas ainda – e sempre – podem acontecer não deve ser argumento para desacreditar instâncias de conferência. Resta saber se, ao juízo final, o Senhor estará diante de nós avançando e retardando o vídeo, ou em busca do ângulo na câmera ideal, para conferir as falhas.

Bem assim, meus amigos. VAR, com Deus, põe qualquer destino eterno na marca do pênalti.

 

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