Quando controle vira vício

Quando controle vira vício

Rubem Penz

Não é só álcool, drogas, sexo, jogos ou redes sociais que viciam. Descobri da pior forma – o auto diagnóstico – que podemos ser vítimas da doentia necessidade (ou busca) de controle. E, dentro do controle, o agravante da constância. Em um mundo lotado de variáveis tão incontroláveis quanto inconstantes, o sofrimento é, paradoxalmente, certo.

O dar-se conta veio do painel do carro: dentre as diversas possibilidades de tela ofertadas pelo computador de bordo, escolhi aquela que informa o consumo de combustível em tempo real. O intuito era justo: conferir se gastaria mais ou menos dinheiro depois da troca de automóvel. Mas a consequência, um desastre. Passei a sofrer desesperadamente a cada engarrafamento, quando o arranca-e-para destrói a média. E, sendo as tranqueiras inevitáveis, passei a sofrer também nas oportunidades de trânsito fluido nas quais não conseguia somar km/l numa espécie de “poupança”.

O que fiz? Troquei neste sábado a tela pela desimportante (às vezes nem tanto) informação do tempo de percurso.

Tal qual um alcoolista recuperado, vivo dia por dia.

Controle – assim como álcool, drogas, sexo, jogos ou redes sociais – pode existir na esfera do prazer, é claro. Também por saúde, necessidade e profissão. Por exemplo, benditos sejam aqueles que têm suas finanças pessoais ou empresariais sob controle. Ou regulam com precisão a ingesta alimentar ou planejam no detalhe sua agenda. Está tudo certo. Há que se louvar os adeptos das interpretações estatísticas as quais dependem de controle eficiente sobre os dados. Meu problema com os números é outro: aflição em performance inconstante.

Tal qual um alcoolista recuperado, vivo dia por dia. Desliguei o contador de passos, e passei a caminhar com mais prazer. Rebaixei meu ímpeto em saber quantas pessoas leem as crônicas e escrevo com menos pressão. Relativizei minha necessidade de aprovação e crio com mais liberdade. Agradeci – e não adotei – nenhuma ferramenta de aferição de acesso aos meus sites, indicadas pelo meu amigo Paulo Trainini, para apenas supor a distância que uma publicação pode percorrer (e ser surpreendido em algum feedback incrível). Enfim, mantenho meu vício em controle e constância sob constante controle (segundo paradoxo da crônica).

Mas, afinal, por que escrevi hoje sobre isso?

Talvez na suposição – ou na esperança – de ser lido por alguém com o mesmo problema. Para alertar ao fato de que controle é necessário e importante para as coisas importantes e necessárias. Fora disso, principalmente quando causar angústia, é bom dar ouvidos ao filósofo Zeca Pagodinho e deixar, o tanto quanto possível, a vida nos levar. Sempre teremos parâmetros inevitáveis a regular as ações. Portanto, evite-se excessos. E dou o texto por concluído – olhei no pé da tela e notei ter passado das 400 palavras. Oh, dor!

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