Nunca o suficiente – uma crônica em busca de salvação

Há dois tipos de pessoas neste mundo: o tipo ‘o mundo me deve’ e o tipo ‘eu devo ao mundo’. Claro que este dualismo encontra gradações de cinza para temperar o branco e o preto que cegam. Alguma coisa misteriosa lá dentro da gente nos coloca mais pra cá e mais pra lá neste espectro. Ambos os lados têm suas dores e alegrias. A paz só é possível quando, por investigação interna, com ou sem auxílio de um analista, aceitamos nosso fardo, atuando em atenuar o sofrimento e potencializar o prazer.

Consciente da situação, passei o domingo alimentando a memória afetiva com cada troca de olhares que pude realizar durante o evento de quinze anos da Santa Sede. Embalei o instante em papel de seda, completei com laço de fita e acomodei no coração. Todos os presentes foram preciosos e amados. Indispensáveis. Porém, o sábado trouxe momentos nos quais quem está preocupado em ver tudo sair certo pode dar a impressão de distância, frieza ou falta de valorização das pessoas. São as obrigações como o coletivo.

Pareceu a você? Peço perdão.

Oh, dor! Tenho na lembrança meus momentos barata tonta numa síndrome de pai da noiva: o casamento em si obnubilado pelo desejo que todos estejam atendidos. Tudo intercalado por um dar-se conta capaz de ouvir ótimas passagens nas palestras e acompanhar com doçura Agatha se movendo em espaços exóticos e grandiosos, no meio de dezenas de estranhos à sua rotina, com alegria (e a mãe sempre no campo de visão, é claro). Fruição plena terei apenas quando olhar o vídeo. Imagens de calor humano e não de ar-condicionado insuficiente.

São Pedro nos sacaneou.

O calor de Porto Alegre foi determinante e tornou reféns justamente as sedentas que vieram mais de longe, tão preciosas, tão queridas. Mas igualmente valorosos foram os locais – era só sair e ir para casa, para a piscina, para qualquer refúgio de brisa acolhedora. Sobrou luz, mas faltou força na refrigeração do Espaço Força e Luz. O poderoso Grenal em final de gauchão, o Poa Jazz e o Dia Internacional da Mulher e suas programações foram dispersores a serem driblados. Por isso, cada assento ocupado teve seu valor multiplicado por mil. Cada ação da comissão organizadora valeu milhões.

A todos, muita gratidão.

Padeço do mal de julgar que nunca faço o suficiente, antecipo todas as variáveis, corrijo as coisas a tempo. Tão miúdo e tão pesado. Agradeço os descontos que sempre mereci de quem sabe sobre meu desejo de perfeição absoluta. Cada falha arranha a imagem de quem se vê devendo ao mundo. Sim, sou desses. Uma subserviência tão radical que encosta na prepotência, uma humildade tão profunda que chega na vaidade extrema. Pois é. Eu sei. E lido com isso porque me aceito falho, ainda que doa.

O amor, ah, o amor nos salva.

2 comentários em “Nunca o suficiente – uma crônica em busca de salvação”

  1. Anne Cafruni

    Foi o suficiente e eu recebi muito mais do que fui buscar . Tanto que não tive espaço para a segunda parte. Fiquei acomodando a primeira, e sigo assim até hoje. Muito obrigada! Sim, foi o dia mais quente do ano. Na rua estava mais fresco que na sala. E valeu cada segundo que estive ali. Voltaria.

    1. Anne, querida, perdoa o tanto de calor.
      A segunda parte foi diferente. A mesa dos jornalistas, para quem a imaginou (eu) esteve na medida certa. A última mesa superou minhas expectativas. E a música… Bom, lá no palco estava delicioso. Tomara que tenham gostado.
      Muito obrigado, beijos

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