Carta ao Marciano
Rubem Penz
Caríssimo Marciano,
Espero pegar-lhe bem de saúde. E bem antes de partir para cá em viagem, também. Ao menos a tempo de pedir um favorzinho miúdo: se há planos de vir à Terra e, ainda, fazer-me uma visitinha, esqueça de colocar na bagagem aquele apelo clássico “leve-me ao seu líder”. Explico.
O fato é que “meu líder”, neste momento, anda um conceito muito difícil de lidar e, só de pensar, já entro em crise. Tempos atrás, por exemplo, corria um boato de que o mundo, se ainda não era da Bayer, era da Johnson & Johnson. Ou da Gessy Lever. Hoje, os novos donos do mundo são mais voláteis e ficam trocando de posição (ainda que todos girando em volta de telas e teclados). Windows ou Facebook? Já seria a Amazon? E, mesmo acertando, meu acesso aos CEOs é deveras complicado.
Caso o líder político seja o alvo, por favor, não me constranja. É um apelo que faço – me dão gastura. Quisera fosse “meu líder” a Angela Merkel, mulher mais poderosa da Europa e, para alguns, do Mundo Livre. Mas, se minh’alma assim deseja, a mente desloca a liderança de força para um camarada a quem tenho lá minhas diferenças. O nome dele começa com D, é o que adianto no momento. Todavia e contudo, porém, se estiver no conceito de “meu” a proximidade, piorou. Vai por mim: não chega a ser grande coisa conhecer meu líder. Não sei se vale a viagem. Repense.
Para a hipótese de ser “meu líder” um religioso, vá lá, calhou de ser um Papa argentino. Hermano gaúcho. Prafrentex, alguns consideram. Com certeza um cara mais leve do que o antecessor, cujo nome já saía de nossa boca com ares de xingamento. Ele sorri tanto quanto o último italiano, JP Primeiro, o breve. Mas, não sei, não sei… Levar um extraterrestre para o Vaticano não é exatamente o que considero um passeio representativo da raça humana (ainda que seja um lugar lindo). E é muita idiossincrasia junta para explicar ser a Igreja Católica Apostólica Romana um grupo unido por um profeta que denunciava os vendilhões do templo. Dá preguiça.
Agora, se a carta chegou tarde, pegou você a caminho e com o pedido engatilhado, vou propor um negócio: faço um churrasquinho e apresento minha mulher. Assim como de praxe, ela manda em casa e, por extensão, em mim. Ela é meu líder mais imediato na cadeia de comando que vale: a do coração. Escute ela dizer que não é bem assim, que ninguém manda em ninguém e tal e coisa. Sorria e pisque com cumplicidade – é de bom tom. Depois, caso esteja com tempo, visite outras pessoas menos desiludidas do que eu com outros líderes. Mas, em caso de decepção, não esqueça que eu avisei.