Fazendo a indiferença

Fazendo a indiferença

Rubem Penz

Quando o certo é ter dois pesos e duas medidas para avaliar direitos e deveres individuais e coletivos, nossos e dos outros, prioritários e relegados a último plano; e quando a balança pende sempre para a inflação de nossos direitos ao mesmo tempo em que atiramos os deveres para bem longe de nossas costas (de preferência para um coletivo sem rosto ou um Estado sem cidadania), tenha orgulho: estamos fazendo a indiferença!

Quando é correto ocupar a mesa de um restaurante ou praça de alimentação com um molho de chaves, óculos ou bolsa e, só então, entrar na fila do Buffet, ou é o que todos fazem sem imaginar que outros podem estar com bandejas nas mãos e sem lugar (ou mesmo sem fazer a simples conta de que o tempo de ocupação das mesas com esse método é irracional), tenha orgulho: estamos fazendo a indiferença!

Quando é normal – normalíssimo! – criar leis aos borbotões e ao sabor das conveniências, todas elas quanto mais complicadas melhor, ou inúteis, cheias de possibilidades de burla, impraticáveis, jamais colocadas em prática por falta de leis complementares, ao invés de simplificar e fazer cumprir leis realmente eficazes e abrangentes, tenha orgulho: estamos fazendo a indiferença!

Quando há mercado para aluguel extintores de incêndio e outros equipamentos de segurança apenas para satisfazer a exigência de uma inspeção de rotina, seja ela veicular ou predial, certos de que o problema de descumprir as normas é o valor da multa (e não a própria segurança), tenha orgulho: estamos fazendo a indiferença!

Quando desconfiamos que as normas de segurança e prevenção de acidentes estão em desacordo com as regras em determinado local e, mesmo assim, continuamos prestigiando-o com nossa frequência, dos nossos filhos ou indicando aos amigos (esperando passivamente pela ação do Estado), tenha orgulho: estamos fazendo a indiferença!

Quando as notícias de tragédias próximas e distantes soam apenas como mera estatística, fatalidade, problema dos outros, exceção, punição divina, palavras ao vento, papel de embrulhar peixe no dia seguinte; ou mesmo quando um lacônico e descomprometido “é assim mesmo” sai de nossa boca, tenha orgulho: estamos fazendo a indiferença!

O mundo é bem assim: uns são indiferentes. Outros, a diferença.

 

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