A mala ou a vida

Não são uma ou duas notícias sobre o denominado “caos aéreo” a ocupar as páginas de jornal. Em grupos de WhatsApp, informações de conhecidos sobre dificuldades atestam não ser exagero considerar a condição caótica. Como tenho muitos amigos que trabalham com Turismo, recebo, também, as justificativas. E são muitas.

Na base das queixas está a onda de demissões motivada por dois anos de recrudescida pandemia. Recontratar e treinar pessoas é caro e demanda tempo. No meio, transtornos gerados por aeronaves a menos ao dispor (devoluções pelo custo do leasing) ou com maiores problemas de manutenção. No alto, a rápida e compreensível aquecida do mercado, fruto da saudade de colocar o pé fora de casa e, quem sabe, voltar a viajar.

(…) em deslocamentos, menos é mais.

Aí chegamos nas malas. As primeiras a que me refiro são figuradas: pessoas incapazes de compreender que suas urgências também compõem o caos, são parte dele. Não querem escutar explicações – desejam passar por cima de tudo como quem voa em céu limpo, mesmo com a turbulência sacudindo o entorno. Escolheram estar ali e não reconhecem o esforço de quem está disposto a fazer o máximo dentro do possível. Um pouco de resignação não faria mal a ninguém.

As outras malas me levam ao excelente filme Up in the air, em que George Clooney dá vida a um especialista em demitir pessoas. Mas não porque pessoas perderam seus empregos: lembrei de sua segunda especialidade – ensinar que, em deslocamentos, menos é mais. Semana passada comprei para minha mãe uma mala de mão dentro das dimensões que dispensam o despacho aéreo. Com isso, além de economizar, ela partiu como parte da solução, e não do problema.

Dois anos de isolamento social precisa ter deixado algumas lições, e uma delas seria o despojamento. Outra é a reorganização de nossa escala de valores, onde o caos nas emergências de hospital, ele sim, é muito grave. Na comparação, os perrengues no aeroporto são meio tragicômicos – ainda que irritantes. Quase como a escolha entre a mala ou a vida.

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A fotografia é de uma mala perdida na pista – sem que ninguém soubesse como foi parar lá, -e foi obtida no aeroporto de Lisboa. Obrigado por ilustrar o momento, Vanise!

19 comentários em “A mala ou a vida”

  1. Fernanda casamundi

    Adorei, vamos começar primeiro pela malas figuradas!!! Essas são as verdadeiras malas!
    E a máxima do menos é mais, sempre cabe em tudo. O tal do bom senso nunca cai e moda.

    1. Obrigado, Fernanda! Sejamos econômicos na bagagem para as linhas aéreas e nas linhas da crônica! 🙂

  2. Viviane Chaves Intini

    Passei pelo caos em
    Montreal no mês passado. Vou defender meu direito de ser uma mala figurada. Estava com minha mãe, de 77 anos. Ficamos durante 3 longas horas em uma fila de embarque (que a toda hora era modificada pq a prioridade por lei ia ora pra esquerda, ora pra direita) e não nos prestavam informações. A única coisa que nos diziam, em inglês, pq ninguém no Canadá parecia falar outra língua, era que estavam limpando a aeronave. Com esta mísera informação, acreditamos que isto seria coisa de 30 minutos, e assim transcorreram 3 horas. Após, nos colocaram, todo juntinhos e coladinhos em um onibus que ficou parado mais 40 minutos, com pessoas sem máscara, tossindo e espirrando. Resultado, chegamos as 3 com covid. Então, acho que minha experiência me absolve.

    1. Ao falar “estava com minha mãe de 77 anos”, a absolvição se tornou imediata e irrevogável! Beijão, Vivi

  3. ATAIDE MENEZES

    Pois é, caro Rubem. Não só as malas se perdem: de certa forma, os passageiros também, meio desnorteados pela pandemia. Bela crônica, como sempre. Abraço.

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