“Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”
Caetano Veloso
O que faz algumas conversas que testemunhamos ficar ou não em nossa memória é um mistério. Enigma mais complexo ainda é encontrá-las no momento exato em que servirá de exemplo para outro papo qualquer, ele eleito ou não para durar para sempre. O que vou contar agora tem chance de ter acontecido há quase trinta anos…
Foi um tempo em que eu havia me afastado da publicidade, mas não muito. Ainda fazia a criação para uns poucos clientes da Profit, entre eles um tradicional restaurante de Porto Alegre. A cena, no entanto, não aconteceu numa reunião de trabalho – estava mais para um papo entre amigos antes ou depois das deliberações. Uma terceira pessoa olhou para o dono da casa e externou sua inveja:
– Isso é que é vida boa. Passar de mesa em mesa só fazendo a social, conversar, ouvir elogios. Queria ser também um dono de restaurante!
– Queria, mesmo? – respondeu o anfitrião, sorrindo. – Então convido a passar uma semana ao meu lado. Talvez só um dia inteiro comigo e vamos ver se a vontade permanece.
Na comparação, o que o afoito julgador fez foi cobiçar as flores que são jogadas ao palco enquanto a bailarina recebe os aplausos sem levar em conta o tanto de trabalho e esforço que existiu antes. Ter um restaurante é encenar múltiplos espetáculos por refeição e em cada mesa, às vezes todos os dias da semana. E cuidar, um a um, dos os detalhes da produção para que nada falhe, tudo agrade e sirva de estímulo para o retorno. Um trabalho tão maravilhoso quanto árduo.
Também já disseram isso pra mim, ainda mais quando me encontram atrás de um enorme copo de chope e compartilhando uma graça. Ou mesmo autografando uma nova antologia em meio aos comentários sobre nosso trabalho. Pode invejar, não ligo. Compreendo o glamour que faz brilhar os olhos do público e, assim como o elogio ao prato bem servido ou as flores depois do espetáculo, ele justifica e premia muitos anos de labuta. É apenas o efeito das luzes da ribalta.
Bem como em muitas ocupações, o verdadeiro sabor de empreender em cultura é desdobrar-se com leveza e sem cair. No fim, ostentar o mesmo sorriso que vi no meu amigo, cujos ingredientes são orgulho, alívio, preocupação, garra e, claro, alegria tamanha que é capaz de esconder um iceberg de tarefas abaixo da linha d’água. Jamais alguém me verá reclamando. No máximo, farei o mesmo convite: comungue das minhas ocupações, esteja ao meu lado durante uma semana…
Muito boa a abordagem! Na mosca! Escuto seguidamente dos meus clientes. O bom é que na maioria são brincadeiras, bate-papo, etc… mas tem algumas estranhas ……kkkkk forte abraço Mestre!!!
Sim, tipo comentário solto, Marcelo. Muito obrigado! Nos vemos na vernissage!
Faltou uma das asas da mosca na terceira frase do quinto parágrafo. E está usando “graça” demais ultimamente. 😀
Auri, graça é uma graça de palavra! 😉