Sinais

Está nos jornais: a Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul aprovou uma lei que substitui sirenes ou outros sinais estridentes por uma alternativa sonora mais suave – tipo música – para indicar finais de períodos nas escolas. A justificativa é atenuar o impacto em crianças e adolescentes mais sensíveis, tais como as que apresentam transtorno do espectro autista. Prevalece a lógica e o afeto: se causa sofrimento e pode ser evitado, nada há de impedir a modificação. Por que não foi pensado antes? Talvez porque a consciência inclusiva seja uma marca do tempo presente, final do século XX, início do século XXI.

Libras e áudio descrição em audiovisuais, calçadas adaptadas para cegos, rampas e elevadores para cadeirantes, banheiros para idosos, sinalização horizontal indicativa ou preventiva, vagas laborais para PCDs (e todas as adaptações demandadas)… Para onde olharmos, serão percebidas alterações bem-vindas em ordem crescente, ainda que longe do ideal. Suponho que este movimento aconteça desde o advento dos óculos, das bengalas, das dentaduras: o rumo da civilização é a alteração do entorno para facilitar a nossa vida em termos de conveniência. Na lei das sirenes, nova indicação civilizatória.

No colégio em que estudei não tinha sirenes: era aquela campainha elétrica tipo despertador – um martelinho ágil percutindo uma sineta metálica a fazer um “ring” longo como a esperança de que o recreio dure mais. Por falar em recreio, no primário, como eram chamados os anos iniciais, a sineta tocava duas vezes: a primeira para irmos à fila e a segunda para as filas irem às salas. No segundo sinal já deveríamos estar perfilados. Numa manhã dos anos 1970 recebi a primeira lição de que justiça é sempre relativa ao que pode ser provado. Não sei se já contei. Perdoem-me se repito.

A fila da minha sala era fronteiriça com a área do espirobol. Dois meninos ainda jogavam quando resolvi interferir: saí da minha posição para avisá-los que já tocara o primeiro sinal. A sala da diretoria ficava do outro lado da área, e a Irmã Maria da Graça abriu a porta. Ordenou:

Os três aqui comigo!

Na primeira oportunidade, falei com a pureza dos anjos:

Irmã, eu saí da fila para avisá-los que já tinha tocado o sinal.

O resultado foi a liberação da dupla e minha permanência de castigo. Segundo ela, “mentir” seria agravante. Quem poderia confirmar minha história aproveitou a vantagem da situação e sumiu. Restou-me soçobrar diante do arbítrio.

Poucos metros dali, em outra fila, certamente estava Humberto Gessinger. Como sei? É porque ele era do ano da minha irmã, também presente (e ignorante do fato, pois viria em minha defesa). Fosse hoje, com a nova lei, para a cena ser perfeita tocaria nos alto falantes:

Se tudo passa, talvez você passe por aqui. E me faça, esquecer tudo que vi…

2 comentários em “Sinais”

gostou? comente!

Rolar para cima