Homem lagartixa (homme lézard)

Ah! O verão é a estação do encantamento, da magia, da luz… De la lumiėre! Bom, eu acho.

E um dos seus truques mais incríveis é transformar a todos em lagartixas. Está certo: a todos é um exagero retórico. Se você é um privilegiado que sai de um ar-condicionado para outro, muda-se para a Patagônia ou habita as franjas dos oceano (Capão da Canoa não serve por causa do represamento da brisa entre os prédios), talvez escape desta maldição. Fala aqui um homem lagartixa.

Digo isso porque subimos pelas paredes? Lamentavelmente, não – essa até seria a parte bacana, divertiria as crianças. A Agatha, ao menos, vibraria com a hipótese. Nosso corpo tem peso excessivo para levar a magia até o ponto lúdico da escala vertical sem auxílio de instrumentos. Mesmo assim, repare bem, lagartixamente grudamos em tudo e tudo gruda na gente.

As nossas partes expostas – e o bom é ter muitas partes desnudas neste calor – se transformam em ventosas. Somos uma fita tape ambulante. Nosso braço encostou no tampo da mesa? Gruda. Nossa perna no assento da cadeira? Gruda. Nosso rosto no rosto do amorzinho? Gruda. É quando, ao encontrar amigos, avisamos: sem abraços, por favor, estou grudando. Um nojo.

E os objetos? Folhas de papel abandonam sua inércia para nos acompanhar nos casos em que nelas encostamos. Não só elas: todos viramos Uri Geller por uma estação inteira. Ao pensar nisso, a hipótese de adotar uma frequência francesa de banhos é uma temeridade. Já imaginou o quanto de pó, areia, pele morta e outras companhias indesejáveis nos livramos ao chuveiro? No verão, quem tem medo de balança deveria se pesar só depois do banho.

Peraí, vamos terminar o texto com uma boa notícia: no verão, brilhamos! Um constante filme de água e gordura sobre a pele garante o efeito. Ao menos por um tempo. Depois de passar do ponto, aqueles riscos de sujeira nas dobrinhas tornam o conjunto mais opaco. Mas, se eu estragar até a boa notícia vai parecer que pego no pé da estação. Hummm, por falar em pés, só de sandálias, chinelos ou descalços. Podridão garantida até o fim do dia. Para sapatos e tênis, odeur de fromage – outro truque do verão, a alquimia.

10 comentários em “Homem lagartixa (homme lézard)”

  1. PAULO HENRIQUE SETH

    Usei a expressao “me joga na parede, me chama de lagartixa” em um flerte recente… nao funcionou. Costumava ser mais eficaz.

      1. Ana Luiza Rizzo

        Eu adoro tanto as lagartixas ou Jacarezinho de parede, como dizem os irmãos do estado acima, mas dispensaria o verão sem pensar duas vezes!

      1. O amor está no ar nesta caixa de comentário! Primeiro uma cantada antiga. Agora Lionel Richie… Jamais pensei que a crônica levasse os leitores nesta direção. Achando ótimo!
        Obrigado

  2. Nossa… Eu, aqui, derretendo e sem ânimo para escrever, estudar, ler, meio desejando lagartear ao estilo “tarde de modorra do Sítio do Pica-pau Amarelo”, pensando se seria uma boa fazer uma crônica sobre o calor tórrido que estou sentindo no Rio de Janeiro para a Entre Poetas & Poesias, e esbarro com a sua crônica. Batata: transmissão de pensamento! (rs,rs,rs) Gostei muito mesmo. Só perdi o tema…

    1. Oh, Cristina, muito obrigado pela leitura e comentário, ainda que eu não concorde: explore o tema do seu modo!
      Há mil maneiras de sofrer com o calor de nossos dias.
      Beijos, Rubem

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