Acreditar é uma escolha, como também é duvidar. No que ou em quem acreditar – e do que ou de quem duvidar – será uma opção facilitada ou dificultada pelo que nos chega em forma de informações atualizadas, histórico e sentimento. Sentimento? Sim, a intuição coopera quando nos faltam dados e, mesmo negativamente mediada por eventuais preconceitos, é um valioso manancial de sinais quase imperceptíveis. Quando nos bate aquilo que se pode popularmente ser chamado de fedor, deve-se ficar alerta.
A variável dúvida parece ter sido excluída de todas as discussões a respeito das tais fake News nas redes de comunicação social – não só, pois, se são News, podem, mesmo que não devessem, ser produzidas em canais profissionais de notícias. Porém, a escolha de duvidar sempre mediará todo o processo. Portanto, é um erro enorme desconsiderá-la imputando uma passividade absoluta ao receptor. Bom, talvez não seja um erro, e sim uma estratégia. Vamos ver como, em tese, isso se aplica no dia a dia.
Lado A (vamos chamar de Lado A) cultiva e planta uma notícia falsa a seu favor ou em desfavor do Lado B (vamos chamar de Lado B). No ato, um exército escolherá acreditar por fé absoluta, zero informações recentes, históricas ou intuição. Cheira meio estranho? Tampe-se o nariz. Ao passarem a mensagem adiante, como em sua rede as tropas são do Lado A, a coisa anda, mas em grande parte é uma pregação a convertidos. Vale o mesmo para a horta (horda? ah, os trocadilhos) do Lado B.
Meu espanto é que, por informações recentes, histórico ou saudável intuição sobre a quase totalidade dos produtores das tais notícias, a variável “dúvida” siga desprezada por nossos respeitosos analistas. Ao colocar a produção de mentiras como a maior mazela do momento, chamam a todos de ignorantes, incapazes ou, vá lá, ingênuos. Ou (como não pensar nisso?) alinhados com o Lado A ou Lado B – disfarçando ou não seu alinhamento com o Lado B ou Lado A. No fundo, os analistas parecem não querer acabar com a mentira, apenas com aquela que não lhes interessa. E dá-lhe crença na estupidez do receptor.
Qual a saída que proponho? Cultivar e plantar adiante a boa, saudável e ampla dúvida em quem está de fora da guerra de narrativas. Se prestarmos atenção ao que a intuição alerta, ao histórico recente ou anterior dos emissores (ou de quem visam beneficiar), as fake News terão seu caráter de mera fumaça restabelecido. Mas só dará certo se acontecer sem a eleição de mentirosos favoritos, crença na mentira mais bem contada ou na que mais nos beneficia. Na equação fé de menos ou fé demais, ouça seu nariz e seja feliz.
O problema é que sempre fede, fé de menos, fé demais!
Concordo, Altino. É quase irrespirável. Abraço
Interessante crônica. Você diz sem dizer. Não sei bem se você está do lado A, do B, ou muito pelo contrário (embora isso importe pouco para a verdadeira crítica proposta na crônica). Nem sei se identifico qual é cada lado. Acho que é um ótimo exemplo de exercício de escrita “neutra”, que se protege de patrulhas e censuras, ao mesmo tempo em que denuncia algo grave que vem circulando de forma crescente na sociedade moderna: o avanço das fake news, a conivência (interesseira) de analistas e a acriticidade de quem as lê (e repassa). Além disso, percebo uma qualidade de atemporalidade inerente ao texto, que caberá bem em quaisquer contextos cuja problemática envolva a proliferação das mentiras e a falta de postura crítica de quem analisa os fatos, ou os recebe.