Número 231

SOBRAM ABACAXIS. FALTAM ABACAXIS.

 

Quanto pior, melhor. Esta parece ser a regra da comunicação em massa. Programas de auditório e sites de entretenimento (tipo youtube) se abastecem de figuras bizarras e transformam o grotesco em fama instantânea. O mais novo exemplar genuinamente brasileiro, gaúcho de Nova Prata, é o pseudocantor-compositor-dançarino Helio dos Passos. Irretocável modelo da fórmula. Para entender, perca cinco minutos no google procurando por este abacaxi. Nem um segundo a mais, por favor!

 

Não é muito difícil encontrar exemplos de pessoas sem a menor noção do ridículo. Gente que, embriagada pelo prestígio de ser, por instantes, o centro das atenções, expõe-se ao riso e à chacota do grupo. Imaginam ser esta a chave do sucesso. No ambiente escolar, os líderes negativos da turma são os primeiros a identificar alguém com este perfil e, de modo sádico, inflar seu ego. Se o menino ou a menina não estiver atento, cairá na armadilha e será lembrado para sempre por ocupar o indigno trono do bobo alegre.

 

Afirmo que este Helio pertence ao seleto grupo dos completamente sem-noção, mesmo que ele venha a discordar de mim. Posso adivinhar seus argumentos: “Não componho, danço ou canto tão mal assim. Sou autêntico e esse meu jeito agrada as pessoas. Represento o povo. Sou um herói na cidade e quem me critica tem apenas inveja”. O problema é que ele compõe, dança e canta pior, mas muito pior do que imagina. E quem lhe dá espaço em mídia de massa faz o mesmo papel do líder negativo da sala de aula: ilude para ter de quem zombar.

 

A glamourização do bizarro germina nos acessos direcionados aos adolescentes e jovens, e isso está longe de ser um acaso. Quem vive o período da auto-afirmação adora rir dos outros (vide MTV). Quanto mais ridículo, melhor. Lembra-se da Sônia do www e da Solange do BBB? É isso. Na esteira desta constatação, muito artista garante o seu sustento. Basta recordar, por exemplo, dos Mamonas Assassinas. Ou, para os mais antiguinhos, do Ultraje a Rigor. Ambos faziam questão de apresentar espetáculos burlescos. Mas existem diferenças abissais entre estes conjuntos musicais e os casos como o do Helio: os grupos compunham boas paródias, executadas com total domínio técnico. O caricato era método. Helio dos Passos, atenção, se leva a sério.

Para concluir, muito mais lamentável do que a cruel exploração da falta de talento do diligente Helio, ou de sua própria satisfação com a zombaria que provoca, é a ausência de um bom amigo para lhe aconselhar. Alguém de confiança e que não tema a verdade: meu velho, sua música está muito ruim. Aquele mesmo que, numa sala de aula, evita a troça e atua para livrar o colega mais ingênuo da humilhação. E isso pode ser feito mesmo na TV. Se bem me lembro, o Chacrinha, mestre do bom-humor, nunca aplaudia a evidente falta de noção do calouro incapaz em seu programa. Premiava-lhe com o meritório anonimato, depois de uma generosa buzinada e um educativo abacaxi.

2 comentários em “Número 231”

  1. O fenômeno é realmente assustador e generalizado. A fama passou a ser um valor(?) mais prestigiado que a honestidade, o talento, o trabalho árduo ou a cultura. Por isso as milhares de pessoas que todo ano tentam uma vaga nos BBB da vida, fazendo tolices inimagináveis diante de uma câmera na tentativa de saltar para a fama, não importa como ou a que preço. Basta recordar que há alguns anos atrás uma atriz posar nua para uma capa de revista masculina era considerado um “passo arriscado” na carreira; hoje, parece ser algo obrigatório e natural.

    Os Hélio dos Passos existem justamente porque talento e qualidade não importam mais – o que conta é a exposição na mídia. Andy Wahrol estava errado: não eram quinze minutos de fama, hoje a coisa se conta em segundos de exposição na mídia.

    Hélio dos Passos não é nenhum gênio do marketing. Ele é apenas um sem-noção que sonhou um dia em ser artista… O problema está mesmo no público de hoje, que aplaude e ri de qualquer coisa.

    Parabéns pela crônica tão atual e apropriada.

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