Número 253

OCASO DE UMA ERA

 

Dois homens estão naquela tradicional cena de fim de noite, sentados no balcão do bar, cada um mais amarrotado do que o outro. O primeiro, Nelson, é completamente calvo. Cláudio, apesar da aparência jovial, não esconde o cabelo grisalho. Garçons varrem o chão em volta das mesas. As poucas luzes estão se apagando. O barman recolhe as sobras de tantos amores que testemunhou fenecer. Há um clima de derrota no ar. No último suspiro, Nelson faz renascer o diálogo.

 

– O ano vai ser difícil. Ainda não me conformo de ele ter se aposentado.

– Bom, a gente sempre soube que isso aconteceria mais cedo ou mais tarde…

– Saber, sabíamos – o homem calvo se revigora. – Porém, depois que aquele outro bailou na curva, virando ícone – mito! –, só restava ele para manter o encanto da coisa, contra tudo e contra todos.

– É… – Cláudio segue reticente. – Mas tem um consolo: ele deixou o irmão firme, na ativa.

 

Nelson bate na mesa e sobe o volume da voz. Reclama que o tal irmão nada fizera de verdadeiramente admirável para merecer figurar entre os grandes. Com um toque apaziguador no braço, Cláudio tenta retomar o tom de confidência:

 

– Ora, com ele ainda na direção, mesmo sem igual brilho, sentimos que existe alguém para manter o legado, não é?

– Nada! A fibra não pode ser reduzida a uma questão genética. Tem outra: sem o mais velho, o caçula nem tinha chegado lá. Às favas com esse irmão!

 

Faz-se uma pausa. Melhor assim: os garçons já estão se olhando, loucos para expulsá-los do bar por algum motivo. Cláudio, que se tornara mais diplomático com o passar dos anos, diz não entender esse desconsolo fora de hora. Afinal, mesmo depois de tanto tempo de afastamento, o circo sequer ameaçava desabar. – Ou você suspeita de algo? – pergunta.

 

– Não é nem isso… O problema é que não vejo na nova geração um expoente capaz de chegar perto da capacidade dele no controle.

– Como assim?

– As coisas estão fugindo das mãos dos homens, você não vê? – Nelson abre os braços, olha para cima e para os lados enquanto fala para microfones imaginários: – Agora é tudo dominado pela máquina: mil olhos vigiam quem está lá, fingindo que dirige.

– Você está bêbado! – Cláudio perde a paciência. – Não tem essa de controle externo: é a mão do homem que está no poder. Sempre foi e sempre será. O resto é mera tecnologia. Pára de ver Big Brother em tudo!

 

Novo silêncio, cada um concentrado em seu copo. A conta chega para os dois, sem que pedissem. É um recado claríssimo. Cláudio alcança o cartão de crédito e vai ao banheiro. Nelson baixa a cabeça e parece chorar. Sim, está bêbado. E desiludido. O barman, ainda que calejado pelas tragédias do cotidiano, se vê condoído. Em um gesto solidário, repousa a mão no ombro do cliente e busca palavras de conforto:

 

– Calma: enquanto viver, o Fidel ainda estará no comando, todos sabem…

 

Nelson olha para ele, incrédulo:

 

– Fidel?! Que mané Fidel, cara?! Estamos falando do Schumacher!

 

5 comentários em “Número 253”

  1. Este é um problema: falam-se muito de “Schumacher’s” e pouco de “Fidel’s”. Que bebam até detruirem os fígados, para acompanhar o cérebro.

  2. Por que todos os esquerdinhas raivosos assinam os comentários de blog anonimamente? Será vergonha deles mesmos, uma espécie de autoconsciência de que a Revolução que eles defendem e a democracia que eles exigem dos não-esquerdistas não se coadunam?

    Mais Schumacher, menos Fidel.

  3. desculpe, mas prefiro não discutir com quem confunde cultura com esporte. em nenhum momento falava-se de política. mais leitura e menos tv, é que te indico. galvão bueno não é o melhor conselheiro. a PROPÓSITO, é anônimo por que não é uma opinião pessoal, e sim um consenso entre pessoas cultas, e para não ter que aturar pessoas burras. quem é raivoso mesmo?

  4. Ô, pessoal,
    A intenção do autor (que tal falar de mim na terceira pessoa?) foi apenas subverter a ordem do dia, aproveitando as coincidências das duas personalidades. Ambos, aliás, escreveram o nome na História (por menos que alguns gostem de esporte e outros de política). Ela, bem mais e melhor do que essa estorinha, haverá de julgá-los. Coisa para os nossos netos.
    Principalmente, fico grato pelo prestígio e participação.

  5. Só mesmo um esquerdinha anônimo e raivoso para achar que fala em nome de um “consenso entre pessoas cultas”!…

    Eu também prefiro não discutir com quem se crê dono de uma verdade, qualquer que seja ela.

    De minha parte, apenas sigo preferindo o Schumacher – que castigava seus adversário apenas sendo melhor que eles nas pistas – ao Fidel – que castiga os seus com a execração, a tortura e o “paredón”. Mesmo que isso não seja consenso – que ótimo viver em um país onde o consenso não é obrigatório!

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