Número 279

REGRAS DO JOGO *

A pedra afia a tesoura. O papel embala a pedra. A tesoura corta o papel. Conte até três e, mão estendida, revele-se diante do oponente. A má escolha não garantirá sua derrota. Nem a boa levará à vitória. Sim: bastam três variáveis para demonstrar que o acaso rege o destino. Isso é o que acontece com as escolhas que fazemos na vida.

Que pedra estará em jogo? A pedra que afia e também fere, recorda e constrói. Aquela que, de um momento para o outro, abandona a inércia e voa, impulsionada pelo afã do vingador insuspeitado. Pedra que é obstáculo, silêncio, mas que pode manter abertos os caminhos. Pouso seguro para recordar o passado e peso terrível a se carregar por toda uma vida. Pode ser preciosa e não mudar o destino, nem comprar felicidade. Tornar-se lembrança do amor que não se concretizou, ou do que jamais poderá existir. E pode ser arma fatal, na violência real ou imaginada.

Que papéis estarão em jogo? O papel que embala e também ilude, embeleza, enternece. Não suporta o peso de um gesto mais ríspido, mas guarda e reproduz vidas inteiras. É o desejo que separa o filho de sua mãe, ou o que une dois amantes em sua arte singular. A folha que registra o vazio cronometrado da existência ou o milagre de uma vida repleta de impossibilidades. O bilhete que a dor enegreceu, a mensagem jamais revelada, a notícia de morte oculta na frieza dos diagnósticos. Os papéis todos que a vida nos impõe, descobre ou liberta.

Que tesoura estará em jogo? A tesoura que corta e salva, aborta e contorna. Enquanto uma lâmina acaricia a face da outra – tão íntimas e letais –, partem o que entre elas se intromete. A tesoura que rompe as ilusões serve também para dar fim ao sofrimento. Ela oferece ao poeta o desfecho ferino e à prostituta, a vingança sutil. Seu corte preciso parece ceifar a vida que se vai precocemente, mas é instrumento que não se guia por si – sempre haverá uma mão a lhe indicar a liberdade ou a tirania.

Entre pedra, papel e tesoura, eu e mais quatorze colegas escolhemos escrever. Contamos até três e, almas estendidas, revelamo-nos uns aos outros durante a Oficina 38. Perdemos um tanto de ingenuidade. Ganhamos um pouco mais de experiência. Mas, tal escolha – cursar a Oficina de Criação Literária da PUCRS – não nos garantiu vitórias ou derrotas: habilitou-nos ao jogo. Que jogo? Pode ser aquele que começou em dois semestres do ano passado e agora apresentamos nas páginas da Antologia Pedra, papel e tesoura – Contos de Oficina 38.

A Antologia – organizada por Luiz Antonio de Assis Brasil e editada pela Bestiário – terá seu lançamento no dia 26 de agosto em Porto Alegre, no Cult Pub (Comendador Caminha, 348, ao lado do Parque Moinhos de Vento), às 19h30min. Partindo dos sentidos literais e simbólicos dos elementos, cada autor foi provocado a escrever três contos inéditos. O resultado não poderia ser mais surpreendente: um livro em que quinze escritores de vozes literárias distintas alcançam uma combinação ao mesmo tempo multiforme e coesa. Uma obra que pode ser lida do começo ao final ou pinçando-se cada autor, sem que a proposta original se perca. Apareça lá! Conte até três e estenda os olhos: o leitor é parte da regra do jogo.

*Crônica adaptada do texto de apresentação do livro Pedra, papel e tesoura, Contos de Oficina 38. O convite logo abaixo é para você!

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