CERVEJA DE PANELA
Rubem Penz
Ser um homem feminino não fere o meu lado masculino
Baby, Didi e Pepeu Gomes
Foi-se o tempo em que uma moça deixava a casa dos pais apenas para se casar. Durante este período, ainda recente em nossa memória, lar era quase sinônimo de família. Tanto que havia toda uma preparação, o enxoval. Nele, conjuntos completos de roupa de cama, mesa e banho; jogos de jantar, baixelas, faqueiro etc. Também o divertido chá de panela. O rapaz? Não, ele não se preocupava com nada disso. O negócio dele era estudar e trabalhar. Um bom emprego era tudo o que um homem precisava para constituir uma família. Ah, e uma noiva, de preferência.
No pós-feminismo, por coincidência ou não, sobejam os lares de solteiros. Se antes havia uma espécie de linha direta da mão do pai para a do noivo – e da mãe para a da noiva –, agora quem parte para sua casa o faz com seus próprios pés e pelas próprias mãos. As meninas foram à luta e conquistaram seu lugar no mercado de trabalho. Logo, não precisam mais de um marido para garantir-lhes o sustento. Porém, não perderam de todo suas habilidades de donas de casa. Digo de todo por conhecer mulheres que, como reza o ditado, não sabem fritar um ovo. Mas, em regra, seus apartamentos são um exemplo de ordem e correção.
Para os moços, a parte do sustento sofreu poucas alterações. A novidade da solteirice independente é não terem mais ninguém para aquela mãozinha nas tarefas domésticas. Nossa liberdade, portanto, passa pelo processo inverso: rumamos para a conquista do lar. Para cada mulher que atinge sua valorização com um cargo de gerência ou diretoria, há um homem se vangloriando em saber qual o melhor amaciante na prateleira do supermercado. Umas sofrendo as pressões de planilhas com maus resultados, outros cuidando para não ver frustrada a receita do jantar.
Porém, existe uma diferença conceitual que ainda precisa ser superada: as feministas lutavam pela igualdade por sentirem-se diminuídas no papel de mães e donas de casa. Assim, é muito mais difícil para o homem ostentar com orgulho sua habilidade para, por exemplo, esticar os lençóis. Há algo impregnado no tecido social dizendo para ele que isso é tarefa menor. Homem que é homem, nos padrões machistas, não arruma a cama: arruma uma namorada que faça para ele. Ou, no mínimo, paga uma empregada. É bem difícil promover avanços quando eles parecem retrocessos…
Essas reflexões surgiram pelo súbito interesse que tive em montar uma lista tipo “chá de panela” para um rapaz que veio de outro Estado para cá apenas com seus livros e roupas. Em minutos, e de memória, elenquei mais de trinta utensílios indispensáveis para um lar, desde a área de serviço, passando pela cozinha e chegando ao banheiro. A intimidade com a rotina doméstica me assustou. O ímpeto em ajudar outro homem a ter uma casa decente, sentimento quase maternal, apavorou-me. O fantasma do machismo espreita nossa alma.
Resolvi o dilema com duas constatações tranquilizadoras: o item primeiro da minha lista é um conjunto de ferramentas. Nem escrevi chave de fenda, Phillips, alicate, chaves de boca, martelo etc., por considerar masculinamente óbvio. Depois, achei melhor chamar de “cerveja de panela”. Perfeito mesmo, só se o evento coincidir com um Gre-Nal na TV: o negócio é garantir o quorum.