O perigo do “mas”

As conjunções adversativas existem para compor orações onde apresentamos idéias contrárias. Opostas, diferentes, alternativas. Delas todas, o “mas” é a conjunção mais usual. Quase pode ser considerada um vício de linguagem para os escritores ou falantes. Seu maior perigo é surgir para justificar o injustificável.
Por exemplo: a torcida visitante vandaliza o estádio adversário. Arranca cadeiras e atira contra os torcedores do outro time, derruba grades, quebra os banheiros, agride, xinga, ofende. Ou solta rojões na direção da outra arquibancada. E, para não ficar culpando apenas visitantes, a torcida local invade o campo para bater nos árbitros e nos jogadores. Diante das incontestáveis imagens, surge o “mas”:
– Mas foi apenas a ação de uma minoria mais exaltada…
– Mas no campeonato tal aconteceu o mesmo contra nosso clube e…
– Mas o árbitro interferiu no escore não marcando aquele impedimento, pênalti, cartão vermelho.
– Mas aquele ali nem está de camiseta, deve ser um infiltrado para nos prejudicar.
Pode piorar? Sempre pode piorar, como nos casos de culparem a vítima:
– Machucaram a criança? Mas o que pensa essa mãe que leva uma criança ao estádio?
– Quebraram os dentes da moça? Mas é bem feito, mesmo: onde já se viu estar ali, no meio dos marmanjos?
Outra situação bem recente aconteceu neste domingo, dia 8 de janeiro. Sem que a TV estivesse ligada em canais abertos e com os celulares mudos, só à noitinha tivemos noção do que ocorrera na Praça dos Três Poderes, em Brasília. Quando vimos, a manifestação que se transformou em vandalismo já estava sob controle. Imagens fortes, tristes, vergonhosas.
Dezenas, centenas de mensagens nos grupos de WhatsApp lamentavam o ocorrido. Ou mais: revoltavam-se. Ninguém em sã consciência considera a violência como o melhor caminho para a evolução social, apesar de ela ser recorrente na história. Ainda assim, lá estavam os inúmeros “mas”.
– Sou contra o que fizeram, mas…
E, para cada conjunção adversativa, uma tentativa de comparar, justificar, naturalizar a infâmia.
Pode piorar? Sempre, sempre pode piorar:
– Mas o culpado é você que, infantilmente, passou um ano inteiro pregando opções políticas menos passionais e beligerantes, mais construtivas. Nutrindo a ideia de um centro democrático alternativo à polarização.
É mesmo? Jura?

4 comentários em “O perigo do “mas””

  1. Venâncio Zulian

    Concordo em tudo. Até porque , você me conhece, tenho um “quê” com essa conjunção. Mas,a probabilidade de você arrumar inimizades ou perder seguidores por causa deste texto é grande. Infelizmente. Abração

  2. Morgana de Mattos Volkart

    “Mas o culpado é você que, infantilmente, passou um ano inteiro pregando opções políticas menos passionais e beligerantes, mais construtivas.”

    Excelente, professor. De minha parte, há várias culpas que não carrego (graças a Deus!), *mas*…
    essa eu abraçaria com satisfação. 🙂

    Abraços,
    Morgana.

    1. Muito obrigado, Morgana!
      Penitencio-me todos os dias. Não por minhas escolhas, mas pela incompetência em angariar adeptos.
      Abração!

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