Como quem respira

Estudos apontam que existe um espaço determinado no tronco encefálico ocupado em manter nossa respiração. Até onde sei, ali não há férias, horário de almoço, pausas – o centro respiratório se dedica a girar a roda de todo sistema com seus órgãos e músculos envolvidos na atividade por tudo vital, independentemente de nosso desejo, de nossa vontade. Um alívio, né? Já pensou se precisássemos ficar programando cada inspiração ou expiração durante a vida? E durante o sono, como garantir a entrada de oxigênio?

Isso não significa, porém, que inexistam situações em que a respiração, ou suas pausas, sejam atos conscientes. É sabido que estados de meditação exigem um controle respiratório específico; mergulhos em profundidade demandam uma hiperventilação prévia e, dentro d’água, sua óbvia supressão; entrar naquele banheiro público malcuidado pede a interrupção pontual para evitar o desgosto e, ao contrário, cruzar pela cozinha quando se está preparando café ou feijão pede um fungar muito mais prolongado.

Há, também, situações prosaicas a pedir determinadas regulações respiratórias. Recém fiz um Raio X e a técnica pediu, várias vezes, que eu parasse de respirar. Estranhamente, anunciava a permissão logo em seguida: fiquei com vontade de lhe dizer que, depois de ouvir o tec do mecanismo, eu sempre retornei a respirar independentemente de sua anuência. Ainda nas lides de saúde, acariciados por estetoscópios, do mesmo modo controlamos a entrada de ar mediante o pedido médico de respirarmos fundo uma, duas, cinco vezes. Normal.

Mesmo sem conhecer qualquer estudo que aponte neste sentido, ouso afirmar que deve existir no coração um espaço destinado a nos fazer amar assim como quem respira. Amar como ato de sobrevivência, como vocação inescapável, missão de vida, origem e destino. Amar sem que estejamos a cumprir planos e estabelecer metas. Amar sem pedir nada em troca ou deixar de fazê-lo nos casos de desilusão. Amar e só. Amor, afinal, só existe um: aquele que ofertamos.

Minha tese contempla um eventual controle sobre o sentimento, é claro: na exata medida em que também a respiração está sujeita às métricas, anseios e variações, conforme explanei. Com os filhos, por exemplo, na primeira infância a carga amorosa será ininterrupta e quase exaustiva. Depois, haverá uma fruição mais tranquila e, nem por isso, menos intensa. Todavia, o mais importante é ter a consciência de que parar de amar é parar de viver e, por causa disso, tal regulação, no fundo, é exceção, jamais a regra.

– Sr. Rubem, suspenda o amor por um instante…

[tec]

– Agora pode voltar a amar.

Ah, moça, como se eu fosse deixar de fazê-lo na espera do seu comando.

6 comentários em “Como quem respira”

  1. “Parar de amar é parar de viver”. Perfeito. Está explicado por que uma pessoa que não ama é uma morta-viva em vida. Quem não ama, não é amado. Aí não há mecanismo no tronco encefálico que consiga fazer o coração bombear o que é vital para um ser humano sentir-se feliz por estar vivo: a reciprocidade.

gostou? comente!

Rolar para cima